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Acentos da ética civil

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Tem crescido, mas ainda é necessário dar prioridade e investir em entendimentos no campo da ética civil. É determinante e preciosa a dimensão moral para a vida em comum. Em questão está o modo de viver e de formular os princípios éticos e morais norteadores da vida nessa sociedade secular e pluralista. Não pode mais ser adiado o tratamento do rol de vulnerabilidades que afetam os rumos da sociedade, comprometem o discernimento e a eleição de prioridades, retardando soluções de demandas básicas que se arrastam e perpetuam cenários vergonhosos e deploráveis. 

A porosidade da ética civil, que sustenta fluxos e dinâmicas na sociedade, pode explicar atrasos, desvarios e absurdos de cenários e condutas, e até de fatos cruéis como o massacre de crianças e adolescentes numa Escola de Realengo. Esses acontecimentos exigem que se ponha a mão na consciência para que haja antecipação de encaminhamentos e providências que darão rumo diferente a esta sociedade enferma. Do contrário, corre-se contra o tempo, numa tentativa de apenas minimizar prejuízos, muitos deles fatais e irreversíveis na vida de indivíduos, famílias e comunidades. Há, sem dúvida, na sociedade contemporânea, um pluralismo moral que não dispensa a construção de convergências até para garantir a insubstituível dinâmica democrática como questão de civilidade. O que caracteriza a ética civil não pode prescindir do que vem da moral cristã – contribuição indispensável, tanto pela solidez de seus princípios quanto pela missão  que  têm aqueles que creem em Cristo, no sentido de contribuir e participar da confecção e manutenção do tecido determinante na vida da sociedade. 

Por um lado considera-se a diversidade que emoldura a postura moral na sociedade pluralista. Por outro, o atendimento da demanda na configuração da ética civil não pode virar as costas para o acervo inesgotável que é a ética cristã. Essa é uma luta missionária da Igreja Católica, considerando-se a gravidade desse desafio. Desafio muito maior e mais significante, como tarefa – salvo melhor juízo – do que simplesmente o que pode impressionar na realidade do trânsito religioso, quando se considera o vai e vem de crentes. Não se pode, é claro, assistir de braços cruzados ao processo de configuração, por vezes de deterioração, da ética civil, indispensável no sustento da sociedade contemporânea. A sustentabilidade é um âmbito que não pode apenas considerar números, rendimentos, a conservação da natureza e outros itens também importantes para a vida no planeta. Em toda e qualquer sociedade, a moralidade é uma alavanca de sustentação para a qual não há substitutos. 

A corrupção, a indiferença, os interesses cartoriais e outras dinâmicas perversas prejudicam a vida social e política. Diariamente, os noticiários, em diferentes meios, preenchem a maior parte do tempo tratando questões desse âmbito, revelando as origens dessas vulnerabilidades comprometedoras. É verdade que a ética civil tem leito próprio em relação à confessionalidade. Ora, a vida social não é dirigida por uma determinada profissão de fé. Reporta, pois, ao tema da laicidade, que é entendida como racionalidade e não como confessionalidade. 

Ainda sobre o âmbito das distinções, compreende-se que ética civil não se confunde com civismo. O civismo é a expressão da convivência cidadã ajustada aos usos convencionais, enquanto a ética civil refere-se ao universo da responsabilidade e dos valores morais. O termo civil não pode ser entendido como contraposição ao que é militar, ou eclesiástico, ou mesmo ao social e profissional, embora nestes tenha uma grande e importante incidência. A ética civil é, pois, a referência à instância moral da cidadania e da civilidade. Essa instância moral não pode ser esgarçada e diluída sob pena de prejuízos sérios, como se pode constatar na dimensão moral da vida humana, com repercussão na convivência social e cidadã em geral. 

A amplitude desse campo de abordagem – com suas peculiaridades – merece, entre outros pontos de constante reflexão, a preocupação com as vulnerabilidades dos limites humanos. Esses limites têm nomes como o interesse exagerado pelo dinheiro, que faz deste o ponto determinante de negociações, impedindo, muitas vezes, a permanência de projetos de grande importância para a sociedade. Não menor é a vulnerabilidade que se constata pelo descompasso da estatura adquirida na competência profissional e humana, impedindo muitos de aguentar desafios, de fazer sacrifícios e de permanecer nas ‘trincheiras’ por altruísmo. Atitudes que não permitem que questões menos relevantes os levem à condição de desertores bem no auge da batalha. Esse é um enorme desafio emoldurado pela carência de entendimentos no âmbito da ética civil.  

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo 
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

 

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