Dois tipos de manifestações estão surgindo no coração da sociedade como reclamações urgentes. De um lado, estão se encorpando os protestos contra a corrupção. Não se pode calar diante de desmandos e de atos que corroem o bem de todos. Por outro lado, cresce a reclamação diante da avalanche legislativa enlouquecedora. Noticia-se que, nas últimas duas décadas, foram criadas 4,2 milhões de leis no Brasil. O grande número, junto com as dificuldades de interpretação que podem ser explicadas pela predominância de um texto excessivamente rebuscado, prejudica o usufruto da legislação. Também dificulta o próprio respeito às regras pelos cidadãos.
Apesar de todo esse arcabouço legislativo, sente-se falta de procedimentos legais que regulamentem esferas de grande importância para a vida em sociedade e possam garantir a indispensável transparência, remédio contra corrupção. Por exemplo, pergunta-se por que está parada a tramitação da lei de transparência que obriga o governo a divulgar as informações sobre a execução de contratos com empresas privadas. Sem uma resposta, é possível concluir que o sistema tem leis em abundância, mas, ao mesmo tempo, carece de regulamentação. Uma necessidade evidente ao se considerar a complexa e múltipla realidade contemporânea, com suas marcas globais e com suas múltiplas possibilidades de intercâmbio e participação.
Voltando, no entanto, ao movimento de combate à corrupção, contracenando com a avalanche legislativa, um desafio para a interpretação e a prática, parece sempre oportuno remeter a reflexão à questão da ética. Ora, não se pode dispensar o foro privilegiado da consciência presidindo condutas, garantindo respeito aos direitos, o sentido de legalidade e a exigência primeira de fidelidade à verdade, à justiça e ao amor. Não se pode pensar que toda a estrutura legislativa por si só será suficiente para a conquista da transparência e o combate à corrupção. É preciso priorizar a dimensão ética. A relativização dessa prioridade nos processos formativos, de diferentes níveis e para os diversos públicos, certamente compromete o exercício da cidadania.
O raciocínio é que a formação técnica, por exemplo, para atender demandas do mercado de trabalho, com suas diferentes expertises - possibilidades interessantes e indispensáveis - não pode ser considerada como suficiente. A ética é uma aprendizagem necessária que precisa ser priorizada no contexto sócio-político contemporâneo. É composição insubstituível na configuração dos processos educativos. Não se consegue manter o controle apenas porque existe uma lei. As leis são muitas, mas o respeito à legislação não tem sido proporcional à conta amarga que se paga pelos atentados contra o erário público e a vida, não raramente de modo irreversível.
Uma decisão que brota do centro da personalidade, do coração - com a força de condicionar todos os outros atos, com uma densidade tal que, abrangendo totalmente a pessoa, orienta e dá sentido à sua vida. Essa opção fundamental é a expressão básica da moralidade, que se aprende e se cultiva. Não se localiza simplesmente do lado de fora, na objetividade legislativa ou nos indispensáveis mecanismos de controle. Há uma vida moral que precisa ser sempre almejada e pode ser conquistada, quando a ética torna-se prioridade.