“A oração do pobre eleva-se até Deus”, ensina o Livro sapiencial de Sirácida, iluminando a celebração do 8º Dia Mundial dos Pobres, 17 de novembro. A vivência do Dia Mundial dos Pobres é convocação profética do Papa Francisco à Igreja Católica, em todo o mundo, para repercutir também em mentes e corações como interpelação cidadã. É preciso superar a gravíssima exclusão social, configurada em muitos cenários de miséria – tantas pessoas sofrem sem o essencial, passam fome. Esses cenários pedem uma reação emergencial e urgente, para inspirar políticas públicas capazes de promover a dignidade humana. Viver o Dia Mundial dos Pobres é compromisso inegociável na agenda de cada comunidade de fé na Igreja, oportunidade pastoral de se sensibilizar, cada vez mais, diante da exclusão social - ouvir a oração dos pobres, respeitá-los e reconhecer as suas necessidades.
Todos são interpelados a se dedicar às iniciativas que ajudem, efetivamente, os pobres. Unir-se aos voluntários que buscam efetivar uma organização social capaz de tratá-los de modo justo e fraterno. A celebração convocada pelo Papa Francisco é oportunidade para enfileirar-se entre os que amam os pobres. Esse amor é remédio contra a perversa indiferença que impede o ser humano de tratar, adequadamente, o seu semelhante que padece com a exclusão. Padres, diáconos, cristãos leigos - são muitas pessoas que exemplarmente se sensibilizam e dedicam-se aos mais empobrecidos. O testemunho exemplar desses homens e mulheres precisa sempre inspirar o sentido social de solidariedade e o compromisso com a justiça, selos de qualificado exercício da cidadania.
Há de se cultivar o gesto concreto de acolher, ouvir e abraçar o pobre, que tem muito a ensinar, especialmente em uma cultura que coloca a riqueza em primeiro lugar e que sacrifica a dignidade das pessoas no “altar” dos bens materiais. O grande ensinamento do pobre é uma advertência profética: aponta que o essencial sentido do viver humano não se esgota na posse de bens e em uma insaciável busca por benesses. A oração do pobre eleva-se a Deus. E também alcança Deus a oração de quem se dedica a ações concretas de caridade solidária, cientes de que a caridade sem a oração pode se tornar uma filantropia efêmera, que rapidamente se esgota. A espiritualidade cristã, pela prática da oração, ilumina o compromisso com o pobre como atitude de encontro, diálogo e luta pelos direitos humanos, em vista da edificação de uma sociedade justa e solidária.
Considere-se como verdade consistente que os pobres têm um lugar privilegiado e preferencial no coração de Deus. Reconheça-se: Deus, na ternura de sua paternidade, conhece os sofrimentos de seus filhos e não os abandona. Aproximar-se para dialogar e ajudar os pobres cura a comum pretensão humana de querer ser, a todo custo, reconhecido, famoso. Uma ambição que alimenta o fascínio pelo poder e riqueza. Assim, o ser humano deve inspirar-se no cuidado de Deus que, na sua paternidade, zela por todos, especialmente pelos marginalizados, sofridos, vulneráveis, pobres e necessitados. Sublinhe-se: em alguma medida, todo ser humano é marginalizado, sofrido, vulnerável, pobre e necessitado. Por isso mesmo, o mundo contemporâneo precisa aprender que o caminho da felicidade não se percorre com o espezinhar de direitos e da dignidade do semelhante. Cultivar proximidade, buscar escutar e dialogar com o pobre constituem saída para graves problemas, inclusive na superação da violência.
Lembra o Papa Francisco, citando a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus a serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo. Este cuidado social e político deve estar articulado com o indispensável zelo espiritual para oferecer aos pobres a amizade, a benção, a Palavra, os sacramentos. Isso somente é possível quando se cultiva a humildade, sem vangloriar-se, testemunhando o amor misericordioso de Deus. Conta muito oferecer ao pobre a certeza de que Deus está com ele. Neste mesmo horizonte, ser presença solidária e cidadã na vida dos que sofrem, sabendo que todos são irmãos e irmãs.
O desafio de mudanças nos cenários de exclusão é extenso e complexo. São inspiradores os testemunhos daqueles que, partindo da espiritualidade orante, contribuíram exemplarmente para superar vergonhosas discriminações. Avançar na busca por essa superação exige recursos técnicos e políticos, contemplando fecunda espiritualidade, para que sejam alcançadas respostas emergenciais, efetivando uma cultura da solidariedade. O Dia Mundial dos pobres, com eles celebrado, inspire novas atitudes capazes de efetivar o sonho de Deus: uma sociedade justa e solidária, fecundada e temperada com o sabor do Evangelho de Jesus Cristo. A oração do pobre se eleva a Deus, e Ele a ouve. Sejam também ouvidos os clamores dos pobres no coração de cada ser humano, para curá-lo. A humanidade possa escutar os pobres – fontes de sabedoria. Com o coração sensibilizado a partir da atenta escuta dos pobres, sabendo que “a oração do pobre eleva-se até Deus”, o ser humano se capacita para edificar um mundo mais solidário e fraterno.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte