Os rumos da vida e as suas dinâmicas na sociedade dependem dos princípios éticos e morais adotados como critérios de juízo, decisão e escolhas. O que é não se tornou assim simplesmente por acaso. As escolhas são emolduradas e balizadas por princípios e critérios que definem os desdobramentos e os resultados que configuram cenários na ordem social, política, econômica e religiosa.
A economia, vetor determinante na vida da sociedade, advoga o Papa Bento XVI, na sua Carta Encíclica ‘Caridade na Verdade’, carece de uma civilização própria para mudar rumos perversos e desastrosos que a lógica de mercado tem determinado como horizonte para a sociedade contemporânea - gerando déficits e lacunas em detrimento de seus considerados avanços e conquistas agrupadas no âmbito do que se entende por desenvolvimento. Aqui está, portanto, a discussão em torno da questão dos princípios escolhidos para nortear o entendimento e a concretização dos processos econômicos.
Os resultados e os rumos da economia indicam que, para além do tratamento dos seus números nos âmbitos próprios, é preciso refletir sobre as questões de princípio. Aqui se localizam os horizontes que possibilitarão o desabrochar próprio da economia, sem perder os seus indispensáveis elementos regulatórios e apontando para o permanente desafio de superar a exclusão social, a discriminação classista e a divisão do mundo entre os que podem, os que podem tudo e os que podem pouco ou nada.
A gratuidade, argumenta o Papa Bento XVI, é uma referência regulatória de grande importância. Ela aponta razões e argumentos que ultrapassam simplesmente a lógica, por exemplo, de números que podem cegamente avançar na direção do lucro e das vantagens em prejuízo da vida e da humanização, que deve ser o capital mais importante na consideração do desenvolvimento. O capítulo terceiro da Carta Encíclica, versando sobre fraternidade, desenvolvimento econômico e sociedade civil, contracena o confronto indispensável entre a gratuidade presente na vida sob múltiplas formas e a visão meramente produtiva e utilitarista da existência. Aqui reside uma questão de princípio norteador de desdobramentos, de escolhas e de resultados no entendimento e na concretização dos processos do desenvolvimento econômico e de sua complexa malha de relações com o tecido social e político.
Ao mesmo tempo em que são muitos os avanços e sinais de modernidade, no reverso se alojam fragilidades de sistemas, inconsistências governamentais e comprometimentos nas competências próprias. A lógica de estratégias que move complexa máquina da sociedade não é de simples entendimento. Na busca de um funcionamento capaz de articular o desenvolvimento e a existência como experiência de um dom, não se pode dispensar, para além das urgências dos números e dos resultados, a referência insubstituível que está numa compreensão não simplesmente mercantilista da sociedade, de sua organização e de seus funcionamentos.
Não se pode, é verdade, abandonar as análises que evidenciam perspectivas e horizontes a partir da contribuição de leituras e interpretações da realidade, advindas do que é próprio da sociologia, economia, política. Mas, não se pode desconsiderar, sob pena de grandes prejuízos e perda de direções clarividentes, o que nasce do coração de impostações e abordagens que contemplam valores e princípios antes mesmo do que é determinado por números e mecanismos de funcionamento social, econômico e político. O Papa Bento XVI, nesta direção, recorda na sua Carta Encíclica o risco, com consequências nefastas, quanto à autossuficiência do homem contemporâneo convicto de que pode simplesmente por sua ação eliminar o mal presente na história. Esta convicção induz o homem a identificar a felicidade e a salvação como formas imanentes de bem-estar material e ação social.
Não menos grave, aponta o Papa, é a convicção da exigência de autonomia para a economia, entendida como instância que não deve aceitar influências de caráter moral, o que gera abusos no uso de seus instrumentos, até mesmo de forma destrutiva. Por isso, o cenário está povoado de prejuízos advindos dos sistemas econômicos, sociais e políticos espezinhando a liberdade da pessoa e dos corpos sociais. A consequência é a incapacidade de assegurar a justiça que prometem, que é o mínimo a ser alcançado como compromisso desses sistemas. A civilização da economia não pode prescindir da solidariedade que nasce da gratuidade. É indispensável a convicção de que todos são responsáveis por todos, caminho solidário para a civilização da economia.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte