Papa Francisco lava os pés de prisioneiros: sinal de humildade e amor
Papa Francisco surpreende-nos com maravilhosa exortação apostólica. Numa primeira reação, restringir-me-ei aos dois primeiros capítulos que nos dão o espírito do texto.
Logo de início, explicita a intenção principal da Exortação, ao dirigir-se aos fieis cristãos: convida-os à nova etapa evangelizadora marcada pela alegria e indica caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos. Desde o início do documento, aparecem as ideias que o Papa tem compartilhado nas suas homilias e discursos, agora de maneira detida e aprofundada. Um tríplice olhar nos acompanha a leitura a partir do enfoque central: a alegria. O termo latino gaudium – gáudio – carrega mais força que laetitia, alegria. O dicionário Houaiss faz questão de dizer que significa uma alegria extremada, júbilo, regozijo para contrapor-se à comum alegria.
O encontro e reecontro com o amor de Deus nos converte, nos purifica, nos relança para a vida de entrega aos outros. |
O primeiro olhar se volta continuamente para Deus. Fonte de toda e última alegria. Dele vêm os dons. Tudo começa com sua iniciativa. A graça precede as nossas ações, põe-se ao nosso lado para envolver-nos no final. Deus está sempre a falar-nos. Toca-nos ouvir a sua Palavra. Deseja a todos vida digna, felicidade já iniciada na terra. Não pertencem, de modo nenhum, a seu plano, antes o contraria profundamente, a miséria e a marginalização dos pobres. Repete na Exortação frase que já repisou várias vezes: “Deus nunca se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir a sua misericórdia”. Cita o profeta Sofonias, ao comparar Deus a um centro luminoso de festa e de alegria que quer comunicar a seu povo o gozo salvífico. Insiste no amor imenso de Deus manifestado no Filho de Jesus. Embalado por tanta grandeza, amor e beleza de Deus, mesmo nas dificuldades, nas agruras da vida cotidiana, da ação missionária, encontramos força e paz feliz bem no interior. O encontro e reecontro com o amor de Deus nos converte, nos purifica, nos relança para a vida de entrega aos outros.
O segundo olhar volta-se para a Igreja. Nela vê a nítida polaridade. Tem olhar positivo. Reconhece as maravilhas que Deus realiza por meio de seus filhos. Sobretudo chama a atenção para a vocação missionária heroica de tantos e tantos que deram a vida e se sacrificaram e se sacrificam no anúncio do Evangelho, na prática da solidariedade, da caridade aos pobres e sofridos. Ela não se cansa de admirar a profundidade da riqueza, da sabedoria e do conhecimento de Deus (Rm 11,33). Reconhece em tudo a iniciativa de Deus e por isso se alegra em espírito de gratidão. Insiste na vocação que ela tem de sair de si para ir a todas as pessoas, mas, de modo especial, aos pobres. Doutro lado, ao longo do texto, há passagens fortes de advertência em relação aos perigos que assaltam a Igreja e às falhas que comete. Talvez o mais forte perigo e pecado seja o de fechar-se em si mesma, de prender-se ao lado puramente institucional, jurídico, perdendo o élan profético, a liberdade, a criatividade, a leveza missionária.
Um terceiro olhar se volta para os fieis. Reconhece que o cristão vive momento muito difícil para a sua fé na cultura e na sociedade modernas. Detém longamente nos desafios do mundo atual: economia da exclusão, idolatria do dinheiro, violência, individualismo exacerbado, expressões religiosas alienantes etc.
Em poucas palavras: a Igreja como todo e os cristãos pessoal e comunitariamente enfrentam o desafio de viver em profundidade a experiência de Deus que os abre para os irmãos, especialmente os afastados, excluídos, pobres. Nisso consiste a “alegria do Evangelho”.