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Um rito de aliança (II)

Desde o início, uma aliança

 

 

Seguindo as intuições do segundo passo de nosso estudo sobre as fontes bíblicas, começamos por sondar a tradição teológica que se desdobra a partir da Escritura. Primeiramente, observamos o diz a Haftará,- passagem dos livros proféticos dos  judeus,- escolhida para concluir a primeira porção do Livro do Gênesis.  Nela, descobrimos outra dimensão na relação entre Palavra de Deus, Sabedoria e Criação.

Seguindo as intuições do segundo passo de nosso estudo sobre as fontes bíblicas, começamos por sondar a tradição teológica que se desdobra a partir da Escritura.  Primeiramente, observamos o diz a Haftará,  passagem dos livros proféticos dos  judeus, e que é a conclusão do trecho da Torá proclamada aos sábados e em dias especiais. Escolhida para concluir a primeira porção destacada no Livro do Gênesis, nela descobrimos outra dimensão na relação entre Palavra de Deus/Sabedoria e Criação : “Assim diz Deus, o Senhor, que criou os céus e os estendeu e fez a imensidão da terra e tudo o que dela brota, que deu o alento aos que a povoam e o sopro da vida aos que se movem sobre ela. ‘Eu, o Senhor, te chamei para o serviço da justiça, tomei-te pela mão e te modelei, eu te pus como aliança para o povo, como luz das nações (…).”[1]

 

Para Irineu de Lião, a Igreja tornou-se “o paraíso plantando no mundo” porque anuncia a verdade e oferece a todos a luz de Cristo permitindo que retornem ao estado de graça original

No trecho acima citado e nos demais versículos que seguem, a vida do ser humano é interpretada, realmente, como “diálogo existencial entre a criatura e o seu Criador – um diálogo constante e contínuo”[2]. Esta “conversa divina” é conatural à condição criatural do ser humano, uma vez que ele foi tecido pela Palavra criadora. Em certa medida, originariamente, somos todos “textos (= tecido) vivificados” decorrentes e dependentes do Verbo da Vida: “A palavra ainda não me chegou à língua, e tu, Senhor, já a conheces inteira (…) Sim! Pois tu formastes os meus rins, tu me tecestes no seio materno.”[3]
 
A Haftará comentada acima afirma, ainda,  que o Servo do Senhor foi posto diante do povo como Berit, isto é, aliança. Sabemos que antes mesmo de ser uma figura de Cristo Jesus, como o assume a teologia cristã, essa imagem que pode ser aplicada a toda a comunidade de Israel ou a algum personagem histórico específico, pode ser concebida como compreensão do ser humano que, modelado pelo próprio Senhor[4], é vocacionado ao testemunho de sua Palavra criadora perante a obra da criação. Afirmar o ser humano como berit é lê-lo como proclamação viva da fidelidade de Deus para com a obra criada, pela qual sua promessa é levá-la à plena comunhão de vida consigo. Berit é o tema unificador de toda a Torá e o podemos dizer, por extensão, de toda a revelação bíblica, do Gan Eden à Jerusalém Celeste, do Gênesis ao Apocalipse, do Antigo Adão ao Novo Adão, Cristo Jesus, morto e ressuscitado.
 
Santo Irineu, numa interpretação jocosa das primeiras páginas bíblicas, descreve a vida paradisíaca  no Jardim do Éden: “…era belo e bom: o Verbo de Deus passeava aí constantemente e entretinha-se com o homem”.[5] O estado original da criação é de Aliança. Um trecho belíssimo das Constituições Apostólicas reforça esta compreensão:   

 

Deus todo-poderoso, por Cristo plantaste um jardim no Eden, ao Oriente, ornando-o com toda espécie de plantas comestíveis e, como se fosse uma casa suntuosa, aí introduziste o ser humano, ao qual tinhas dado, ao criá-lo, a lei inata, de sorte que ele possuísse, em si mesmo e por si próprio, os germes do conhecimento divino. Ao introduzi-lo no jardim da felicidade, deste-lhe em partilha, autoridade sobre todas as coisas, proibindo-o de comer um único alimento, na esperança de bens superiores, a fim de que pela obediência a este mandamento, recebesse como recompensa a imortalidade. Mas, enganado pela serpente e a conselho da mulher, ele desprezou esse mandamento e provou do fruto proibido; então, expulsaste-o legitimamente para fora do jardim. Mas, na tua bondade, não rejeitaste definitivamente o homem perdido, porque era obra tua; ao contrário, Tu que lhe sujeitaste a criação permitiste-lhe que procurasse o alimento com o seu suor e o seu trabalho, mas és tu que fazes germinar, crescer e amadurecer; adormeceste-o por um pouco de tempo, depois chamaste-o por juramento ao novo nascimento; libertando-o da lei da morte, prometeste-lhe a vida pela ressurreição.[6]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para Irineu de Lião, a Igreja tornou-se “o paraíso plantando no mundo”[7] porque anuncia a verdade e oferece a todos a luz de Cristo permitindo que retornem ao estado de graça original. E o faz disponibilizando as Sagradas Escrituras para que todos dela se alimentem.[8] Esta operação é necessária para que voltemos a exprimir aquele que está em nosso interior e que é nossa raiz, desde a criação do mundo, e cada pessoa por sua capacidade relacional, ou seja de estabelecer diálogo, retome sua semelhança com o Verbo que guarda dentro de si.[9]



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