Um rádio ligado pode fazer companhia a um ser humano que saiba mantê-lo à devida distância. Pense numa casa bem silenciosa. O sujeito entra, fecha a porta, acende a luz, abre a janela, tira a camisa… Está sozinho. Vive só. Barulho, somente o ronronar da geladeira, e o zum-zum do mundo lá fora. O silêncio é opressivo e ele sente como se estivesse se deslocando no interior de um holograma cúbico. Ele faz isso o dia inteiro, já sabe todo o passo-a-passo de viver naquela casa, mas mesmo assim reina naquele lugar uma espécie de asfixia. Daí, ele liga o rádio. Aquele jato de som parece puncturar a realidade e criar uma realidade maior ainda. Uma realidade 3D, ou em todo caso com um D a mais que a anterior.
A televisão cumpre essa função para muita gente; mas a televisão é possessiva, apropriativa, requer atenção total. TV é como aquelas mulheres bonitas que exigem que o sujeito não desvie o olhar um só instante. Já o rádio é mais livre. Parece mais um ambiente do que uma mensagem direcionada. Se a famosa Realidade Virtual se impuser, se daqui a pouco estivermos assistindo o telejornal na manga do blusão, aí sim, esse ambiente poderá ser tão magnânimo com nossa atenção quanto o rádio tradicional.
Não falo do rádio que mais ouço, que são as jornadas futebolísticas. É possível ficar trabalhando e ouvindo baixinho um jogo normal de meio de semana. Na TV, seria preciso parar tudo. O rádio só exige isso se for jogo decisivo. Mas futebol é jornalismo, é só um segmentozinho. Rádio é ambiente porque som é 360 graus, é um círculo completo, enquanto nosso campo visual pega talvez metade disso. Rádio é esférico. Talvez ainda surja um rádio cuja trilha sonora reaja à chegada de alguém e comece a tocar uma playlist específica para cada aposento que a pessoa percorre, como num conto de Ballard.
Um rádio ligado é uma pessoa falando, e geralmente uma pessoa jovial, autoritativa, compreensiva, emocionada, humorística, uma pessoa se oferecendo pra fazer muitas coisas por você, uma voz lhe oferecendo coisas, porque no rádio e na TV as coisas se sucedem tão rapidamente que tudo parece uma mera lista. O rádio parece a conversa descontraída entre dois amigos de infância dos quais um é mudo, e o outro, por solidariedade, sente-se com a missão de preencher sozinho todos os espaços de silêncio.
“Ele me faz companhia”, repetem as donas de casa há um século, enquanto arrumam a sala ou manipulam as panelas. O rádio tranquiliza, daí haver a obrigação tácita de que os locutores mantenham aquele tom jovial, despreocupado, persuasivo. O rádio é um fantasma sem corpo cuja função é evitar que o silêncio nos malassombre.
Braulio Tavares
escritor e jornalista.