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Tragédia no Haiti: Dom Mol escreve sobre terremoto e morte da doutora Zilda Arns

Ao leitor ofereço uma pequena reflexão sobre a prática da defesa da vida, em solidariedade humano-cristã ao povo sofredor do Haiti, que, neste momento, é o clamor de Deus mesmo, pela comunhão da humanidade inteira. Trato da doutora Zilda, exemplo de altruísmo, que pode inspirar cada um a ajudar o povo do Haiti.

A morte da doutora Zilda Arns impacta e emociona, independentemente de suas circunstâncias trágicas, pela perda de alguém que se dedicou tão intensa e desprendidamente à promoção da vida como o maior dom de Deus. Mas, ao nos determos sobre como se deram os fatos que culminaram na morte da fundadora da Pastoral da Criança, observamos que se trata, na verdade, de uma tragédia dentro de outra tragédia. 

Zilda Arns cumpriria no Haiti apenas mais uma das milhares de atividades que, durante essas últimas décadas,  vinha, de modo diligente e exemplar, realizando cotidianamente: defender a vida dos mais pobres. Impedir, especialmente, a morte prematura de crianças por falta de cuidados básicos. A médica, por meio da Pastoral da Criança, estabeleceu uma revolução no Brasil e em vários outros países a favor da vida ao impedir que milhares e milhares de meninas e meninos deixassem de morrer por desidratação e por diarréia. O soro caseiro – a água e o sal da vida – mostrou-se uma solução tão simples quanto efetiva para uma tragédia que ceifava milhares de vidas infantis nos países mais pobres.

Zilda Arns Neumann, ao criar a Pastoral da Criança, inspirou-se no Evangelho. Como na multiplicação dos pães, a médica pediatra e sanitarista salientava que era urgente multiplicar informações e ações sobre os cuidados com as crianças. Tinha a convicção de que esse desafio antecedia a qualquer outra luta: era a condição básica para a sobrevivência dos mais pobres, buscando melhores condições para proteger e salvar gestantes e recém-nascidos. 

Não se deve esquecer que em países como o Brasil, principalmente em regiões mais carentes, em quase todo o século passado, a morte prematura de crianças,  infelizmente, passou praticamente a ser aceita com naturalidade. Uma banalização de um drama que atingia milhares de famílias. Em comunidades carentes, quando da morte de um bebê, costuma-se usar expressões como a de que “o recém-nascido não havia vingado” – como se essas fossem situações naturais ou não passíveis de qualquer intervenção e reversão.

A história de Zilda Arns se confunde com a da Pastoral da Criança, uma das mais importantes e reconhecidas ONGs brasileiras que, por meio do acompanhamento de crianças e gestantes ajudou a diminuir a mortalidade infantil em todo o país. Líder nata, inspirava tranqüilidade, firmeza e doçura. Viúva, ela deixou cinco filhos, oito netos e era irmã de algumas das maiores personalidades da vida religiosa brasileira: dom Paulo Evaristo Arns e dom Crisóstomo.

Foi juntamente com dom Paulo que, bem no início dos anos 80, Zilda Arns teve a idéia de que a Igreja Católica poderia ajudar a reverter a situação da mortalidade infantil no país. Com o apoio da Unicef, nascia a Pastoral da Criança, no município de Florestópolis, no Paraná, onde o índice de mortalidade chegava a 127 mortes a cada mil crianças nascidas vivas. Rapidamente, a Pastoral conseguiu ótimos resultados, reduzindo a mortalidade infantil para 28 por mil após um ano de atividades. E com o apoio da Igreja Católica, foi levada a todos os 27 estados brasileiros e, posteriormente, para dezenas de outros países.

Mais recentemente, a Pastoral da Criança já contava com mais de 150 mil voluntários, presentes em 30 mil comunidades dentro de bolsões de pobreza e miséria de mais de três mil municípios brasileiros sendo que, nas comunidades em que atua, a Pastoral registra taxas de mortalidade infantil bem inferiores à média nacional.

Nos últimos anos, depois que a CNBB, em assembléia, evidenciou a necessidade do cuidado também dos idosos, a doutora Zilda vinha se dedicando à causa da Pastoral da Pessoa Idosa, na mesma perspectiva da defesa urgente e permanente da vida. Cuidar do início e do fim – das crianças e dos idosos – para que a vida toda seja vivida em plenitude, é um resumo da vida desta mulher.

A perda de Zilda Arns se deu em conseqüência de um terremoto que tirou a vida de milhares de pessoas. Entre tantos mistérios que a finitude humana guarda, a morte da nossa estimada doutora Zilda, que tanto lutou pela vida, especialmente a dos mais humildes, deve nos alertar também para isso: o quanto é frágil a vida e, por isso mesmo, o quanto é preciso defendê-la urgente e permanentemente. 

Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães 
Bispo auxiliar de Belo Horizonte e Reitor da PUC Minas



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