O segredo da vida está ao alcance dos olhos e não o vemos. Consiste na arte de procurar tesouros, de acreditar em milagres e de defrontar com o mistério. Não necessariamente no fato de encontrá-los. Mas na insistência de seguir buscando. Contra tudo e contra todos, contra a lógica e o bom senso – o importante é prosseguir a busca. Como num faz-de-conta sério de crianças, transformar a fantasia em realidade visível, presente, palpável. Entrar no jogo com todas as energias!
Mas existe um problema de método, digamos. Somos prisioneiros da ideia de que os tesouros devem ser procurados, heroicamente, numa ilha paradisíaca, numa floresta encantada, num deserto cheio de surpresas, no fundo do mar, no pólo norte ou no pólo sul, no centro da terra ou na lua, quem sabe! Um pouco como nos livros de Julio Verne e de Robert L. Stevenson. Nada mais equivocado!
Os tesouros, os milagres e o mistério encontram-se à mão. Atrás de um rosto desconhecido que, subitamente, se abre e se revela. Um rosto que tem nome, história, família, origem e destino. Faces marcadas por feridas e cicatrizadas, batidas por ventos contrários e que, apesar das adversidades, resplandece. Um rosto cuja maior aspiração é amar e ser amado. Atrás de um olhar opaco que, de repente, se põe a brilhar. E reflete uma alma límpida, cristalina, transbordante de luz e alegria. Atrás de um sorriso, um toque ou um gesto que expressam palavras impossíveis de serem pronunciadas. Mas que estão ali – não as lê quem se faz cego e surdo, coração de gelo ou de pedra.
Procurar tesouros é desvendar a beleza sob a superfície do cotidiano… é dar-se contade que existe, sim, um tesouro oculto atrás de cada esquina, de cada curva do caminho |
Os tesouros povoam a paisagem do dia-a-dia. Basta ver aquele grupo de crianças no parque: corre, pula, brinca, joga, fala, ri, grita, diverte-se – como se toda vida se resumisse àquele instante, uma minúscula partícula de tempo, essa gota de eternidade. Importa menos o que dizem e mais, muito mais, o fato de o dizerem com a força viva dos pulmões. Importa menos as notas dissonantes e mais, muito mais, a algazzara festiva de botões que gratuitamente se abrem e se oferecem. Não há um tesouro, um milagre e um mistério nessa alegria leve, livre e simples, com as asas soltas ao vento?!…
No rumor da vida urbana, uma melodia de crianças! Tal como a dança e a sinfonia dos pássaros, anunciando os primeiros raios da aurora. Tal como o canto das águas, sussurrando pelos vales, precipitando-se pelas montanhas, beijando as pedras e areias da costa marinha, caindo slenciosa ou ruidosamente sobre os campos. Tal como a harmonia das flores, diferentes em cores, perfumes e formatos, mas todas igualmente majestosas, sempre vestidas com manto de festa.
Escancare a janela, saia de si mesmo, deixe o gueto fechado em que costumamos nos encerrar. Quem sabe é melhor desligar o ar condiconado e deixar que os dedos invisíveis da brisa, matutina ou vespertina, acariciem nossas faces envelhecidas pela amargura, pelo tédio e pelo vazio. Sim, ao menos por um momento, um minuto que seja, abandone o ar sério e sisudo de profissional importante, desate o nó duro do colarinho ou gravata, e improvisamente contemple o céu azul, o vento no balanço rítmico das plantas, até mesmo o tráfico agitado da cidade. Em tudo isso há tesouros, milagres, mistério!
Aí está o segredo da própria felicidade. – Procurar tesouros é desvendar a beleza oculta sob a superfície do cotidiano. Deixar-se surpreender com milagres é conferir um significado novo ao “aqui e agora” da existência. Espantar se com o mistério é descortinar o véu da rotina que cobre as ações banais e efêmeras. Numa palavra, é dar-se conta que existe, sim, um tesouro oculto atrás de cada esquina, de cada curva do caminho. A cada manhã, ser capaz de transfigurar a mesmice em novidade, o ruído em melodia, o viver em prazer. E mais: sentir que o Criador segue imprimindo suas digitais no pergaminho da história, pessoal ou coletiva. Reabrindo novas “veredas” no “grande sertão” da história (Guimarães Rosa). Desfazendo o plano dos tiranos e reavivando a esperança dos pobres. A razão instrumental e absoluta aboliu tesouros, milagres e mistérios – mas o corpo, o coração e a alma necessitam deles como o peixe da água. Constituem o oxigênio da vida, da vida em plenitude.
Pe. Alfredo J. Gonçalves
Assessor das Pastorais Sociais
Adital