1. O Espírito Santo no mistério pascal de Cristo
Nas duas meditações anteriores, tentamos mostrar como o Espírito Santo nos introduz na “plena verdade” sobre a pessoa de Cristo, fazendo-nos conhecê-lo como “Senhor” e como “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro”. Nas restantes meditações a nossa atenção, da pessoa, se move para o obrar de Cristo, do ser para o agir. Vamos tentar mostrar como o Espírito Santo ilumina o mistério pascal, e, em primeiro lugar, na presente meditação, o mistério da sua e da nossa morte.
Apenas tornado público o programa destas pregações da Quaresma, em entrevista ao L’Osservatore Romano, foi-me colocada a questão: “Quanto espaço para a atualidade estará em suas meditações?” Eu respondi: Se por “atualidade” entende-se no sentido de referências a situações ou eventos que ocorrem, temo que haja bem pouco de atualidade nas próximas pregações de Quaresma. Mas, na minha opinião, “atual” não é somente “o que está acontecendo” e não é sinônimo de “recente”. As coisas mais “atuais” são aquelas eternas, ou seja, aquelas que tocam as pessoas no âmago mais profundo da própria existência, em todas as épocas e em todas as culturas. É a mesma distinção que existe entre “urgente” e “importante”. Somos sempre tentados a preferir o urgente ao importante, a preferir o “recente” ao “eterno”. É uma tendência que o ritmo acelerado da comunicação e a necessidade de novidade da mídia tornam particularmente aguda hoje.
O que é mais importante e atual para o crente, e, certamente, para cada homem e para cada mulher, do que saber se a vida tem um sentido ou não, se a morte é o fim de tudo, ou, pelo contrário, o início da verdadeira vida? Ora, o mistério pascal de morte e ressurreição de Cristo é a única resposta para estes problemas. A diferença que há entre esta atualidade e aquela midiática da crônica é a mesma que há entre quem passa o tempo olhando para o desenho deixado pela onda na praia (que a onda seguinte apaga!), e quem eleva o olhar para contemplar o mar na sua imensidão.
Com essa consciência meditemos, portanto, no mistério pascal de Cristo, começando pela sua morte de cruz.
A Carta aos Hebreus diz que Cristo “movido pelo Espírito eterno, ofereceu a si mesmo sem mácula a Deus” (Hb 9, 14). “Espírito eterno” é outra maneira de dizer Espírito Santo, como atesta uma variante antiga do texto. Isto significa que, como homem, Jesus recebeu do Espírito Santo, que estava nele, o impulso para oferecer-se em sacrifício ao Pai e a força que o sustentou durante a sua paixão. A liturgia expressa essa mesma convicção quando, na oração antes da comunhão, faz o sacerdote dizer: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, pela vontade do Pai e com a obra do Espírito Santo (cooperante Spiritu Sancto) destes vida ao mundo”.
Ocorre para o sacrifício como para a oração de Jesus. Um dia Jesus “exultou no Espírito Santo e disse: Te dou graças, ó Pai, Senhor do Céu e da terra” (Lc 10, 21). Era o Espírito Santo que suscitava nele a oração e era o Espírito Santo que o incentivava a oferecer-se ao Pai. O Espírito Santo que é o dom eterno que o Filho faz de si mesmo ao Pai na eternidade, é também a força que o empurra a fazer-se dom sacrificial ao Pai por nós no tempo.
A relação entre o Espírito Santo e a morte de Jesus é enfatizada, especialmente, no Evangelho de João. “Não havia ainda Espírito – comenta o evangelista sobre a promessa dos rios de água viva – porque Jesus não havia sido ainda glorificado” (Jo 7, 39), ou seja, de acordo com o significado desta palavra em João, não havia sido ainda levantado sobre a cruz. Da cruz Jesus “emite o espírito”, simbolizado pela água e pelo sangue; de fato, escreve em sua Primeira Carta: “Há três que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue” (1 João 5, 7-8).
O Espírito Santo leva Jesus à cruz e da cruz Jesus dá o Espírito Santo. No momento do nascimento e, depois, publicamente, em seu batismo, o Espírito Santo é dado a Jesus; no momento da morte, Jesus dá o Espírito Santo: “Depois de ter recebido o Espírito Santo prometido, ele o derramou, e é isto que vedes e ouvis”, disse Pedro às multidões no dia de Pentecostes (At 2, 33). Os Padres da Igreja gostavam de destacar esta reciprocidade. “O Senhor – escrevia Santo Inácio de Antioquia – recebeu em sua cabeça uma unção perfumada (myron), para emanar sobre a Igreja a incorruptibilidade”.
Neste ponto, devemos trazer à memória a observação de Santo Agostinho sobre a natureza dos mistérios de Cristo. Segundo ele, há uma verdadeira celebração a modo de mistério e não só a modo de aniversário, quando “não só se comemora um acontecimento, mas se faz de tal forma que se dá a compreender o seu significado para nós e tal significado seja acolhido santamente”. E é isso que nós queremos fazer nesta meditação, guiados pelo Espírito Santo: ver o que significa para nós a morte de Cristo, o que ela mudou com relação à nossa morte.
2. Um morreu por todos
O Credo da Igreja termina com as palavras “espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir”. Não menciona o que ocorre antes da ressurreição e da vida eterna, ou seja, a morte. Precisamente porque a morte não é objeto de fé, mas de experiência. A morte, no entanto, nos diz respeito muito de perto para passá-la em silêncio.
Para poder avaliar a mudança operada por Cristo com relação à morte, vamos ver quais foram os remédios usados pelo homem para o problema da morte, até mesmo porque continuam sendo os mesmos usados pelo homem de hoje na busca do “consolar-se”. A morte é o problema humano número um. Santo Agostinho antecipa a reflexão filosófica moderna sobre a morte.
“Quando nasce um homem – escreve – muitas hipóteses são feitas: talvez será bonito, talvez será feio; talvez será rico, talvez será pobre; talvez viverá muito, talvez não… Mas, de ninguém se diz: talvez morrerá ou talvez não morrerá. Esta é a única coisa absolutamente certa da vida. Quando sabemos que alguém está enfermo de hidropisia (naquele tempo esta era a doença incurável, hoje existem outras), dizemos: “Coitado, ele deve morrer; está condenado, não existe remédio”. Mas não devemos dizer o mesmo de alguém que nasceu? “Coitado, deve morrer, não há remédio, está condenado!”. Que diferença faz se em um tempo um pouco mais comprido ou um pouco mais curto? A morte é a doença mortal que é contraída no nascimento”.
Talvez, mais do que uma vida mortal, a nossa deve ser considerada uma “morte vital”, um viver morrendo. Este pensamento de Agostinho foi retomado, em termos secularizados, por Martin Heidegger que fez a morte entrar a pleno título no objeto da filosofia. Definindo a vida e o homem “um ser para a morte”, ele faz da morte não um acidente que põe fim à vida, mas a própria substância da vida, aquilo da qual ela é tecida. Viver é morrer. Cada momento que vivemos é algo que é queimado, subtraído à vida e entregue à morte. “Viver para a morte” significa que a morte não é somente o fim, mas também o fim da vida. Se nasce para morrer, para nada mais. Viemos do nada e voltamos para o nada. O nada é a única possibilidade do homem.
É a inversão mais radical da visão cristã, segundo a qual o homem é um “ser para a eternidade”. No entanto, a afirmação à qual chegou a filosofia depois da sua longa reflexão sobre o homem não é nem escandalosa e nem absurda. Simplesmente, a filosofia faz o seu trabalho; mostra qual seria o destino humano deixado a si mesmo. Ajuda a compreender a diferença que faz a fé em Cristo.
Talvez, mais do que a filosofia são os poetas que dizem as palavras de sabedoria mais simples e mais verdadeiras sobre a morte. Um deles, Giuseppe Ungaretti, falando do estado de espírito dos soldados nas trincheiras na Grande Guerra, descreveu a situação de cada homem diante do mistério da morte:
“Se está
como no outono
sobre as árvores
as folhas”.
A própria Escritura do Antigo Testamento não tem uma resposta clara sobre a morte. Sobre ela fala-se nos livros sapienciais, mas sempre em perspectiva de pergunta, mais do que de resposta. Jó, os Salmos, o Coélet, o Siracida, a Sabedoria: todos estes livros dedicam uma atenção considerável ao tema da morte. “Ensina-nos a contar nossos dias – diz um salmo – para que tenhamos coração sábio” (Sl 90, 12). Por que nascer? Por que morrer? Para onde se vai depois da morte? São todas perguntas que para o sábio do Antigo Testamento permanecem sem mais resposta do que esta: Deus quer assim; sobre tudo haverá um julgamento.
A Bíblia nos relata as opiniões perturbadoras dos descrentes da época: “Breve e triste é nossa vida, o remédio não está no fim do homem, não se conhece quem tenha voltado do Hades. Nós nascemos do acaso e logo passaremos como quem não existiu” (Sb 2,1 ss). Somente neste livro da Sabedoria, que é o mais recente dos livros sapienciais, a morte começa a ser iluminada pela ideia de uma retribuição de outro mundo. As almas dos justos, se pensa, estão nas mãos de Deus, embora não se saiba exatamente o que isso signifique (cf. Sb 3, 1). É verdade que em um salmo se lê: “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus fieis” (Sl 116, 15). Mas não podemos apoiar-nos muito sobre este versículo tão explorado, porque o significado da frase parece ser outro: Deus faz pagar caro a morte dos seus fieis; ou seja, ele é o vingador, ele pede contas.
Como o homem reagiu a esta dura necessidade? Uma maneira improvisada foi esquecer isso, distrair-se. Para Epicuro, por exemplo, a morte é um falso problema: “Quando existo eu – dizia – ainda não existe a morte; quando existe a morte, não existo mais eu”. Portanto, ela não nos diz respeito. Nessa lógica de exorcizar a morte encontram-se, também, as leis napoleônicas que retiravam os cemitérios para fora das cidades.
Houve também quem se agarrou a remédios positivos. O mais universal se chama a prole, sobreviver nos filhos; um outro, sobreviver na fama: “Não morrerei totalmente (“non omnis moriar) – dizia o poeta latino –, porque, de mim, permanecerão os meus escritos, a minha fama”. “Erigi um monumento mais durável do que o bronze”. Para o marxismo o homem sobrevive na sociedade do futuro, não como indivíduo, mas como espécie.
Outro desses remédios paliativos é a reencarnação. Mas é uma loucura. Aqueles que professam esta doutrina como parte integrante de sua cultura e religião, ou seja, aqueles que realmente sabem o que é a reencarnação, sabem também que não é um remédio e um consolo, mas uma punição. Não é uma prorrogação concedida ao gozo, mas para a purificação. A alma se reencarna porque ainda tem algo para expiar, e se deve expiar, deverá sofrer. A palavra de Deus trunca todas estas formas de fuga ilusórias: “É fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem um julgamento” (Hb 9, 27). Uma só vez! A doutrina da reencarnação é incompatível com a fé dos cristãos.
Em nossos dias têm-se ido além. Há um movimento mundial chamado de “transumanismo”. Ele tem muitas faces, nem todas negativas, mas o seu núcleo comum é a crença de que a espécie humana, graças aos avanços da tecnologia, já começou a caminhar para uma superação radical de si mesma, para viver por séculos e possivelmente para sempre! De acordo com um dos seus representantes mais proeminentes, Zoltan Istvan, o objetivo final será “tornar-se como Deus e vencer a morte”. Um crente judeu ou cristão não pode não pensar imediatamente nas palavras quase idênticas pronunciadas no início da história humana: “Não morrereis, sereis como Deus” (cf. Gn 3,4-5), com o resultado que nós conhecemos.
3. A morte foi tragada pela vitória
Existe só um verdadeiro remédio para a morte e nós cristãos defraudamos o mundo se não o proclamamos com a palavra e a vida. Escutemos como o Apóstolo Paulo anuncia ao mundo esta mudança:
“Se pela falta de um só a multidão morreu, com quanto maior profusão a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo, se derramaram sobre a multidão […]. Se, com efeito, pela falta de um só a morte imperou através deste único homem, muito mais os que recebem a abundância da graça e do dom da justiça reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo” (Rm 5, 15.17).
Com maior lirismo, o triunfo de Cristo sobre a morte é descrito na primeira Carta aos Coríntios:
“’A morte foi absorvida na vitória. Morte, onde está a tua vitória? Morte, onde está o teu aguilhão?’ O aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a Lei; Graças se rendam a Deus, que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo!” (1 Cor 15, 54-57).
O fator decisivo é colocado no momento da morte de Cristo: “Ele morreu por todos” (2 Cor 5,15). Mas o que aconteceu de tão decisivo naquele momento para mudar a própria face da morte? Podemos representá-lo visualmente dessa forma. O Filho de Deus desceu na sepultura, como em uma prisão escura, mas saiu pela parede oposta. Não voltou atrás por onde havia entrado, como Lázaro que voltou a morrer. Não, ele abriu uma brecha no lado oposto pela qual todos aqueles que creem nele podem segui-lo.
Um antigo Padre escreve: “Ele tomou sobre si os sofrimentos do homem sofredor por meio do seu corpo capaz de sofrer, mas com o Espírito que não podia morrer, Cristo matou a morte que matava o homem”. E Santo Agostinho: “Através da paixão Cristo passa da morte à vida e assim abre para nós, que cremos na sua ressurreição, para passarmos também da morte à vida”. A morte tornou-se uma passagem e uma passagem para aquilo que não passa! Diz bem o Crisóstomo:
“É verdade, ainda morremos como antes, mas não permanecemos na morte: e isso não é morrer. O poder e a força real da morte é apenas isso: que um morto não tem nenhuma possibilidade de voltar à vida. Mas se depois da morte ele recebe de novo a vida e, mais ainda, lhe é dado uma vida melhor, então, esta, já não é mais morte, mas um sono”.
Todas estas formas de explicar o sentido da morte de Cristo são verdadeiras, mas não nos dão a explicação mais profunda. Essa deve ser buscada naquilo que, com a sua morte, Jesus veio colocar na condição humana, mais do que naquilo que ele veio tirar; deve ser buscada no amor de Deus, não no pecado do homem. Se Jesus sofre e morre de uma morte violenta infligida-lhe por ódio, não o faz apenas para pagar no lugar dos homens a sua dívida impagável (a dívida de dez mil talentos, na parábola, é perdoada pelo rei!); morre crucificado para que o sofrimento e a morte dos seres humanos sejam habitados pelo amor!
O homem havia se condenado sozinho a uma morte absurda e eis que entrando nessa morte ele descobre que ela está repleta do amor de Deus. O amor não pôde privar-se da morte, por causa da liberdade do ser humano: o amor de Deus não pode eliminar com um passe de mágica a trágica realidade do mal e da morte. O seu amor é forçado a deixar que o sofrimento e a morte pronunciem a sua palavra. Mas, dado que o amor penetrou na morte e a encheu da divina presença, é o amor que agora pronuncia a última palavra…
4. O que mudou da morte
Portanto, com Jesus, o que foi que mudou sobre a morte? Nada e tudo! Nada para a razão, tudo para a fé. Não mudou a necessidade de entrar na tumba, mas foi dada a oportunidade de sair dela. É o que ilustra poderosamente o ícone ortodoxo da Ressurreição, do qual vemos uma interpretação moderna na parede esquerda desta capela. O Ressuscitado desce aos abismos e arrasta para fora consigo Adão e Eva e atrás deles todos aqueles que se agarram a ele, nos abismos deste mundo.
Isto explica a atitude paradoxal do crente perante a morte, tão semelhante ao de todos os demais e tão diferente. Uma atitude feita de tristeza, medo, horror, porque sabe que deve descer naquele abismo escuro; mas também de esperança porque sabe que pode sair dele. “Se nos entristece a certeza de ter de morrer – diz o prefácio dos defuntos – nos consola a esperança da imortalidade futura”. Para os fiéis de Tessalônica, afligidos pela morte de alguns deles, São Paulo escrevia:
“Irmãos, não queremos que ignoreis o que se refere aos mortos, para não ficardes tristes como os outros que não têm esperança. De fato, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, cremos também que Deus, por meio de Jesus, há de levar consigo aqueles que adormeceram” (1 Tes 4, 13-14).
Não lhes pede que não se aflijam pela morte, mas de sê-lo “como os outros”, como os não crentes. A morte não é para o crente o fim da vida, mas o início daquela verdadeira; não é um salto no vazio, mas um salto na eternidade. Ela é um nascimento e um batismo. É um nascimento, porque somente então começa a vida verdadeira, aquela que não se destina à morte, mas dura para sempre. Por isso a Igreja não celebra a festa dos santos no dia do seu nascimento terreno, mas no dia do seu nascimento ao céu, o seu “dies natalis”. Entre a vida de fé no tempo e a vida eterna há uma relação análoga àquela que existe entre a vida do embrião no seio materno e aquela da criança, uma vez nascida. Escreve o Cabasilas:
“Este mundo carrega em gestação o homem interior, novo, criado segundo Deus, para que ele, aqui plasmado, modelado e tornado perfeito, não seja gerado àquele mundo perfeito que não envelhece. Da mesma forma que o embrião que, enquanto está na existência tenebrosa e fluida, a natureza prepara para a vida na luz, assim é com os santos”.
A morte é também um batismo. Assim Jesus chama a sua própria morte: “Há um batismo com que eu devo ser batizado” (Lc 12,50). São Paulo fala do batismo como de um ser “batizados na morte de Cristo” (Rm 6,4). Nos tempos antigos, no momento do batismo a pessoa era mergulhada totalmente na água; todos os pecados e todo o homem velho ficavam sepultados na água e saia dela uma nova criatura, simbolizada pela túnica branca na qual era revestida. Assim acontece na morte: morre a lagarta, nasce a borboleta. Deus “enxugará toda lágrima de seus olhos, e não haverá mais a morte, nem pranto, nem lamentação, nem angústia, porque as coisas de antes passaram” (Ap 21,4). Tudo sepultado para sempre.
Durante vários séculos, especialmente a partir do século XVII, um aspecto importante da ascese católica consistia na “preparação para a morte”, isto é, em meditar sobre a morte, descrevendo visualmente as várias fases e o seu avanço inexorável da periferia do corpo para o coração. Quase todas as imagens de santos pintadas neste período mostra-os com um crânio ao lado, também Francisco de Assis que havia chamado a morte de “irmã”.
Uma das atrações turísticas de Roma até hoje é o cemitério dos Capuchinhos de Via Veneto. Não se pode negar que tudo isso ainda pode ser uma chamada útil para uma época tão secularizada e despreocupada como a nossa; especialmente se lemos como um aviso dirigido a quem vê o escrito que fica em um dos esqueletos: “Aquilo que tu és, eu fui; aquilo que eu sou, tu serás”.
Tudo isso deu pé para que alguém diga que o cristianismo cresce com o medo da morte. Mas é um erro terrível. O cristianismo, nós vimos, não é feito para aumentar o medo da morte, mas para removê-lo; Cristo, diz a Carta aos Hebreus, veio “para libertar aqueles que, com medo da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida” (Hb 2,15). O cristianismo não cresce com o pensamento de nossa própria morte, mas com o pensamento da morte de Cristo!
Por isso, mais eficaz que meditar sobre a nossa morte, é meditar sobre a paixão e morte de Jesus e devemos dizer, por honra às gerações que nos precederam, que tal meditação era também o pão de cada dia na espiritualidade dos séculos recordados. Essa é uma meditação que suscita comoção e gratidão, não angústia; nos faz exclamar, como o apóstolo Paulo: “Me amou e se entregou por mim” (Gl 2, 20).
Um “piedoso exercício” que eu gostaria de recomendar a todos durante a Quaresma é o de tomar em mãos um Evangelho e ler por conta própria, com calma e na íntegra, a narração da paixão. Basta menos de meia hora. Conheci uma mulher intelectual que se professava ateia. Um dia caiu-lhe em cima uma daquelas notícias que deixam uma pessoa meio morta: a sua filha de dezesseis anos tem um tumor nos ossos. É operada. A moça volta da sala de operação martirizada, com tubos, sondas e catéteres por todos os lados. Sofre terrivelmente, geme e não quer ouvir nenhuma palavra de conforto.
A mãe, conhecendo a sua piedade e religiosidade, pensando em agradá-la, lhe diz: “Gostarias que eu te lesse algo do Evangelho?”. “Sim, mamãe!”. “O quê?”. “Leia-me a paixão”. Ela, que nunca havia lido um Evangelho, correu para comprar um dos capelães; sentou-se ao lado da cama e começou a ler. Depois de um tempo a filha adormeceu, mas ela continua, na penumbra, a ler em silêncio até o fim. “A filha adormecia – dirá ela própria no livro escrito depois da morte da filha –, e a mãe acordava!”. Acordava do seu ateísmo. A leitura da paixão de Cristo havia mudado a sua vida para sempre.
Concluamos com a simples, mas pungente oração da liturgia: “Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi, quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum”. “Te adoramos, Oh Cristo, e te bendizemos, porque pela tua santa cruz redemistes o mundo”.