A meditação de Dom Giacomo Morandi, Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, sobre a jornada quaresmal, hoje se detém sobre nossas enfermidades e parte do capítulo 21 do Evangelho de Marcos, no qual Jesus está em Cafarnaum. Aqui nos é oferecido um vislumbre, uma prévia de seu ministério público.
A palavra de Jesus revela o que somos
Dom Morandi adverte que, antes de Jesus, o mal deve reconhecer sua própria impotência e nos convida a compreender a diferença substancial entre o estilo de ensino de Jesus e o utilizado pelos escribas. O acento é colocado sobre sua autoridade (exousia). O significado do termo é ligado à consciência de que na palavra de ensinamento de Jesus é revelado o que ele é, mas também o que nós somos. É significativo – explica o prelado – que sua presença na sinagoga revele o que o homem tem em seu coração e, portanto, na medida em que permitimos que Jesus nos fale, nossa natureza emerge das profundezas. Muitas vezes nós nos escondemos, nos distanciamos da Palavra de Deus, dando justificativas de falta de tempo, que, em vez disso, muitas vezes são um álibi.
Curar do nosso protagonismo
“A realidade é que temos medo que a Palavra chegue aos recantos mais escondidos de nossas vidas que protegemos”, fala claramente Dom Morandi, que explica que a Palavra de Deus é uma espada que chega até o ponto de divisão da alma e ninguém pode se esconder. Somos especialistas na arte do compromisso”, sublinha ainda, “ao invés disso, entendemos que não se pode servir a dois senhores e que a verdadeira doença da qual devemos curar é o nosso protagonismo”. Se entrarmos em relação com Cristo, há um mundo que vai à ruína, é o mundo das paixões desordenadas. O bispo Morandi cita São Máximo, o Confessor, quando fala de ϕιλαυτία (filautia), ou seja, do amor errado, do amor excessivo por si mesmo. Isto gera infelicidade em nós, mas também naqueles que nos encontram e nos veem como estéreis. Jesus só poderá se proclamar filho de Deus sob a cruz. Aqui está a verdadeira inversão de perspectiva.
A autoridade de Jesus
“Ser autoridade é quando sua vida é extremamente transparente, de acordo com o que está no fundo de seu coração”. Então a palavra é fruto dessa intimidade, desse caminhar junto com o Senhor”, explica o prelado, mas que adverte sobre um risco: se não formos autoridade, acabamos sendo autoritários. A autoridade é uma palavra que vem do profundo de nosso ser e é a expressão da comunhão com Deus. Jesus dirá, no Evangelho de Mateus, que daremos conta a Deus de cada palavra inútil, literalmente de cada palavra sem energia, e não a palavra realmente ouvida, meditada e assimilada.
A ligação entre cura e serviço
A cena se desloca para a casa de Simão. A sogra de Pedro estava doente na cama, sendo curada. “Há uma ligação entre cura e serviço”, explica novamente Dom Morandi. A mulher curada, de fato, logo começa a servir: este é o ponto de chegada da experiência da salvação. O prelado descreve o crescendo da narrativa de Marcos em que se chega a uma multidão que traz a Jesus os possuídos. “Por mais que o mal se manifeste, ele é derrotado. Muitas vezes ficamos resignados e acreditamos que é impossível mudar nossas vidas”, afirma o bispo, mencionando todos os propósitos de mudança que muitas vezes não são realizados. A este respeito, o Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé cita um importante autor espiritual que disse que as maiores escravidões são as que não queremos ser libertados. Até Santo Agostinho, nas Confissões, relata que pediu insistentemente o dom da continência, mas acrescentou: mas não de imediato. Nós também somos assim. “Muitas vezes nós não desejamos mudar. Jesus, ao invés disso, faz novas todas as coisas”, conclui o prelado.
Na oração, é a energia da palavra que salva
A jornada de Jesus se conclui com a oração em um lugar deserto. Aqui está centralizada a fonte de seu ministério que é tão eficaz: o relacionamento com o Pai. É na oração que se consolida a autoridade. “Às vezes rezamos nossas orações, mas talvez sejam orações distraídas, que não penetram realmente em nosso coração. Em vez disso, quando cuidamos de nosso relacionamento com o Senhor, então Sua presença cresce e Suas palavras se tornam efetivas e se enraízam em profundidade”. O dom de invocar neste tempo forte de Quaresma – conclui Dom Morandi – é precisamente cultivar uma oração autêntica, retalhando tempos privilegiados para experimentar como o Senhor é bom.