O amor é da ordem da gratuidade: amo como forma de ser para o outro sem nada esperar,
sem nada requerer a partir do amor que dedico. Só assim é possível o encontro
Pe Danilo César*
Numa sociedade funcionalista e pragmática como a nossa, falar em “servo inútil” parece estranho, ou até mesmo ofensivo. Estranho também porque o citado servo, na parábola, veio da roça, do cuidado dos animais e ainda pôs a mesa para o patrão. Não tem nada de inútil! O que Jesus, afinal, quis dizer com isso? O termo grego akrêiros, indica outra coisa: aquele que não reivindica para si reconhecimento pelo trabalho. A ideia seria: “somos servos que não merecem reconhecimento especial por ter feito a obrigação”.
Mesmo considerando as dificuldades e os limites da tradução – tarefa árdua de especialistas! – seria bom nos reconciliar com a ideia de inutilidade. Hélio Pellegrino, escrevendo para Fernando Sabino, fala do encontro como algo que acontece na mais contundente inutilidade. O encontro, segundo Sabino, supõe liberdade absoluta e gratuidade desinteressada no relacionamento.
Aceitar a inutilidade do outro e a própria é, proporcionalmente, nos despir das nossas expectativas, arrogâncias e pretensões. O verdadeiro encontro com o outro só é possível, segundo o escritor e psicanalista, mediante a sua inutilidade. Do contrário, estaríamos nos relacionando movidos por interesses e não por amor. O amor é da ordem da gratuidade: amo como forma de ser para o outro sem nada esperar, sem nada requerer a partir do amor que dedico. Só assim é possível o encontro.
Mas o evangelho não estaria falando da fé? Qual a relação entre a fé e o amor? A fé, entendida como gesto de confiança e de adesão à uma pessoa ou situação, supõe a segurança. Nós confiamos mediante a firmeza que nos transmite o Outro que é Deus. A ele aderimos, porque nos ama e cuida nós gratuita e desinteressadamente. A caminho de Jerusalém, os discípulos pedem a Jesus que lhes aumente a fé. Já aderiram ao Mestre, mas pedem um reforço…
Para Jesus, mesmo a fé minúscula como um grão de mostarda, será capaz de realizar coisas que superam as expectativas ordinárias da vida, como transportar uma amoreira para o mar, pois a obra da fé não é nossa, mas é de Deus. Só ele pode realizar coisas que não podemos e, por isso, nele confiamos como servos prontos para fazer sua vontade. Não fazemos o que queremos, mas o aquilo que o Senhor nos propõe. Se fizéssemos nossa vontade, talvez nos coubessem os aplausos deste mundo… mas como servos que agem segundo a obediência da fé, nos damos por bem satisfeitos por fazer aquilo que Deus quer, pois fazemos a experiência de ser amados sem medida. E o que ele quer é bem mais que esperamos e pedimos.
Jesus é o servo que faz a vontade do Pai e não espera reconhecimento humano. Como Filho amado de Deus, à experiência do amor que o Pai lhe tem, Jesus responde com uma fé-adesão irrestrita à vontade do Pai, a ponto de não apenas não reivindicar reconhecimento, mas passar pela humilhação da cruz. Ao contrário, a sua fé, como servo que tem a consciência de fazer aquilo que o Pai deseja, o encaminha para Jerusalém, onde será crucificado. Sua adesão ao Pai é sem limites e o impossível para nós, nos termos de Deus, acontece em Jesus: sendo inocente, morre pelos pecadores, sendo justo, morre com os malfeitores. É essa a obra de Deus em Jesus: reverter a arrogância humana pela entrega voluntária do Filho. Fazer morrer
Nossa fé, menor que um grão de mostarda, nos faz ficar pertinho de Jesus e caminhar com ele nesse caminho de entrega ao Pai A nossa fé em Jesus nos faz viver a fé de Jesus, realizando em nós o que ele mesmo quis fazer: a vontade de Deus |
por dentro o pecado e a maldade que geram tanta morte nesse mundo pela disputa do poder, pela fama, pelo reconhecimento e pelo sucesso.
Nossa fé, menor que um grão de mostarda, nos faz ficar pertinho de Jesus e caminhar com ele nesse caminho de entrega ao Pai. A nossa fé em Jesus nos faz viver a fé de Jesus, realizando em nós o que ele mesmo quis fazer: a vontade de Deus. Ter fé em Jesus é ficar com ele, sob o olhar do Pai, nos braços do Pai. Deus nos ajude a viver isso e a reconhecer que na gratuidade/inutilidade desse amor, dessa confiança-adesão-fé, encontraremos a vida nova que Jesus alcançou.