Rayane Soares Rosário[1]
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Como proposta de modernização de Belo Horizonte, o então prefeito Juscelino Kubitschek (1940-1945) contrata Oscar Niemeyer, Candido Portinari, Burle Marx, Paulo Werneck e Alfredo Ceschiatti, entre outros artistas, para a construção de um conjunto artístico e arquitetônico às margens da lagoa da Pampulha, no qual faria parte uma igreja dedicada à São Francisco de Assis[2].
Considerada como verdadeira escultura arquitetônica, a Capela Curial São Francisco de Assis foi concluída em 1945, abrigando com grande harmonia, ornamentação pictórica e artes em azulejos. E, talvez, por sua inovadora e polêmica concepção artística, somente em 1959 foi entregue ao culto religioso católico, quando houve sua doação, pela Prefeitura da Capital, à Arquidiocese de Belo Horizonte.
Dentre as obras que compõem o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Pampulha, a Capela Curial São Francisco de Assis se destaca por expressar, melhor do que qualquer outra obra naquele espaço, o conceito que tornou o traço do arquiteto Oscar Niemeyer reconhecido para além das fronteiras nacionais. É consenso entre pesquisadores que as reflexões que Niemeyer tinha sobre seu ofício são materializadas nas curvas que dão forma ao templo. E, em suas próprias palavras, “não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos rios, nas nuvens do céu, no corpo da mulher amada. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein” [3].
Ao planejar a edificação, Niemeyer adaptou-se, criativamente, às prescrições canônicas; assim, incorporou à nave, em seu lado esquerdo, logo à entrada, o batistério e o confessionário e, a seguir, o púlpito. Ladeando o presbitério, localizou, à esquerda, a Capela do Santíssimo Sacramento e, à direita, a sacristia, hoje transformada em filial da Loja Cristo Rei. Sobre a entrada posicionou o coro, que, como a torre sineira e o cruzeiro, separados do corpo da igreja, parecem inspirados nas edificações religiosas mineiras setecentistas. Utilizando como material construtivo basicamente o concreto armado e o vidro, criou um prédio assimétrico em elegantes e movimentadas curvas.
Cândido Portinari incumbiu-se da ornamentação do templo. Influenciado pelos artistas mexicanos e pelas diversas tendências expressionista e cubista que despontavam na Europa, concebeu trabalhos de comovida interpretação da história de São Francisco de Assis.
Em dois grandes painéis, um externo, na fachada posterior da igreja, e outro interno, na parede de fundo do presbitério, em pintura a têmpera sobre a argamassa, retratou episódios da vida do santo. No primeiro, os famosos “milagres” são mostrados em azulejos azuis e brancos, em composições de sugestão cubista. O segundo é centralizado pela figura monumental de São Francisco despojando-se de suas vestes, em dramática deformação, com olhar enérgico e mãos e pés em intencional desproporção.
No verso da parede do batistério, no confessionário e no púlpito, figuras em azulejos alusivas aos sacramentos e, no guarda-corpo do coro, as revoadas de pássaros, que se repetem juntamente com os cardumes de peixes nos supedâneos, ao longo da nave. Nas paredes da nave, os quatorze passos da Via Sacra, em pintura a têmpera sobre madeira. Completam a ornamentação os baixos-relevos em bronze do batistério, com cenas alusivas à criação do mundo e ao pecado original, de autoria do escultor mineiro Alfredo Ceschiatti.
Sua concepção externa parte da perfeita integração entre arquitetura, obra de arte e paisagem, criando uma unidade entre seu interior, exterior e entorno. Externamente, nas paredes da nave, destacam-se os mosaicos geométricos, de Paulo Werneck, desenhista e ilustrador. Já os jardins, criados pelo renomado paisagista Roberto Burle Marx, têm concepção integrada, ao mesmo tempo, à arquitetura do monumento e à paisagem de seu entorno.
Em 1947 a Capela foi tombada como monumento nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, em 1984 como patrimônio estadual, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – Iepha-MG e, em 2003, como patrimônio municipal, pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte.
Já em dezembro de 2013 houve a formação de uma Comissão Executiva para conduzir o processo de pleito ao título de Patrimônio da Humanidade para o Complexo Arquitetônico e Paisagístico da Pampulha, perante a Unesco. O título foi concedido em 2016, com o reconhecimento do Conjunto da Pampulha como bem cultural de importância mundial, que exemplifica os traços de um período onde os elementos modernistas evidenciaram, através da arquitetura e da arte, um papel precursor do progresso e da inovação social.
Em 2017, após análises e verificações de danos, causados por infiltrações, a edificação foi fechada ao público, para restauração e reparações necessárias. Reabriu suas portas em outubro de 2019, proporcionando, além do recebimento dos fiéis, a instituição de um setor educativo, criado para estimular a apropriação e reconhecimento identitário da comunidade belo-horizontina. Ligado diretamente ao Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, o Educativo realiza ações de mediação sobre os conceitos de arquitetura e história da arte, trabalhando assuntos relacionados à religiosidade e fé, através da arte, cultura e patrimônio cultural.
Com a pandemia, causada pela disseminação do vírus da covid-19, foi criado um projeto para elaboração de cartilhas educativas, as quais trazem linguagens acessíveis e mediadas ao público adulto e infantil, com os temas mais requisitados pelo público. Todo material produzido é disponibilizado na web e possui acesso gratuito.
Interessados, podem acessar o conteúdo dos dois volumes já publicados no site da Arquidiocese de Belo Horizonte (www.arquidiocesebh.org.br) e/ou pelo Instagram, no perfil oficial do Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis (@saofranciscopampulha).
Ressalta-se: A edificação foi erigida como Igreja, sendo transformada em Capela Curial pelo Decreto nº 03G/2005 de 5 de agosto de 2005 e no dia 4 de outubro de 2021, por meio do Decreto nº 10/2021, foi elevada a Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis, pelo Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo.
Referências:
BAHIA, Denise Marques. A arquitetura política e cultural do tempo histórico na modernização de Belo Horizonte (1940-1945). Belo Horizonte, 2011.
CAMPOS, Adalgisa Arantes. Pampulha: uma proposta estética e ideológica. Revista Análise e Conjuntura. Belo Horizonte, n. 13, p.69-90, 1983.
CEDRO, Marcelo. Arte, cultura e sociabilidade na BH de JK (1940-1945). In: Cleber Dias; Maria Cristina Rosa. (Org.). História do lazer nas Gerais. 1ed. BELO HORIZONTE: Editora UFMG, 2019, v. 1, p. 283-304.
FABRIS, Annateresa. Fragmentos Urbanos: representações culturais. São Paulo: Studio Nobel, 2000.
PEREIRA, Nathalia. Concepção arquitetônica e estrutural de duas obras de Oscar Niemeyer: Igreja da Pampulha e Pavilhão Gameleira. 2012. Dissertação de Mestrado – Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília. Brasília. 2012.
TEIXEIRA, Luiz Gonzaga. Igreja de São Francisco de Assis – Pampulha: Guia do Visitante. Belo Horizonte. PUC Minas, 2018. 68p.
VIVAS, Rodrigo. Por uma história da arte em Belo Horizonte: artistas, exposições e salões de arte. Belo Horizonte: C/Arte, 2012.
[1] Possui graduação em Museologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2014), pós-graduação em Gestão do Patrimônio Histórico e Cultural, pelo Centro Universitário de Belo Horizonte e MBA em Gestão de Projetos Culturais e Sociais, pela Universidade Salvador. Atualmente é aluna do mestrado em Memória social, patrimônio cultural e produção do conhecimento, da Escola de Ciência da Informação da UFMG. Integra o corpo técnico de colaboradores do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte.
[2] Fazem parte do conjunto a igreja São Francisco de Assis, o Museu de Arte da Pampulha, a Casa do Baile e o Iate Tênis Clube.
[3] Informação disponível em http://www.niemeyer.org.br/outros/poema-da-curva, consultada em 20 de agosto de 2021.