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Quem é a voz de hoje? Quem é, de fato, ouvido?

 

 “Quem poderá vencer a fera? Quem é semelhante à fera?” Ninguém, de verdade, é ouvido, ou lido
Vivemos a era do ruído, da balbúrdia, do barulhoTodos falam juntos, como no auge da Torre de Babel. Vivemos os segundos anteriores à decisão divina da mudez

 

A voz do povo é a voz de Deus.
É inacreditável como uma frase que atravessou o século com a força de um anátema, tenha se dissolvido no ar. Marshall Berman, com “Tudo que é Sólido Desmancha no Ar”, de 1986, já tinha dado os primeiros passos para a consolidação desta que é – como o subtítulo do livro – uma aventura da modernidade. Todos os substantivos abstratos parecem se reunir em uma tribo incompreensível, hoje, quando falamos de mídia, imprensa, repercussão, internet e as redes sociais.

As redes sociais dissolveram a imprensa, que dissolveu a opinião, que foi dissolvida pela dissociação das vozes. Chamo de voz o que se diz ou se escreve pelas redes ou imprensa. Nada nem ninguém nem outrem, nem perto de nada-nunca, influencia mais hoje em dia. Vozes altas e pertinentes, como Zuenir Ventura, Luis Fernando Verissimo, Jânio de Freitas, Augusto Nunes, Eugenio Bucci continuam firmes, conscientes, lúcidos. Mas serão vozes ouvidas? Ou lidas com a mesma integridade? Em contraponto, vozes midiáticas, como Marcelo Tas e Tico Santa Cruz, encadeiam milhões de seguidores. E discutem nas redes como se fosse sala de aula.

Uma nova e constrangedora sala de aula. Mas são vozes ouvidas, consideradas? Sim, e não. Basta anotar o número de agressões e ameaças que recebem, todos os dias.

Mas qual voz, então? Quem é a voz de hoje, então? Quem é, de fato, ouvido? Me lembra Eclesiastes: “quem poderá vencer a fera? Quem é semelhante à fera?”
Ninguém, de verdade, é ouvido, ou lido. Vivemos a era do ruído, da balbúrdia, do barulho. Todos falam juntos, como no auge da Torre de Babel. Vivemos os segundos anteriores à decisão divina da mudez. Que venha a força parietal e dê um calado em todos! Mas é de bom tom deixar Deus, que eu invoquei na primeira frase, de lado. Ele não criou a eletrônica, a cibernética, a internet e todas as maluquices do futuro.

Me lembra o robô construtor de carros da Alemanha que matou um funcionário, recentemente. Pressionou seu peito na parede até asfixiar. E voltou para a linha de produção. A loucura é imensa: esta mesma brincadeira que adolescentes estão fazendo em escolas públicas – juntam uns três ou quatro e pressionam o peito de um outro, até desmaiar. Só para ver o colega desmaiar. Sem nem se importar que isso pode matar. O robô imita? Ou se vinga?

As vozes da internet são propagação. Criaram uma própria natureza, estranha a nós, humanos. Ninguém mais se respeita, ninguém se lê nem vê o outro.

As instituições vão atrás. Inacreditável um jornal de São Paulo divulgar o depoimento do ex-diretor do IPEA, Herton Araújo. Ele pediu ao Juiz para nada do que ele dissesse fosse divulgado. O Juiz olhou em seu olho e disse: o senhor está depondo em segredo de Justiça. E em juramento.

Como, senhor Juiz?

Quem poderá vencer a fera?

Quem é semelhante à fera?

Quem? 

Afonso Borges
Escritor, produtor cultural e empresário



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