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Quando a lama elimina as diferenças

“Quando os fatos são favoráveis, bate-se pelos fatos. Quando as leis são favoráveis, bate-se pela lei. Quando nem os fatos, nem a lei são favoráveis, bate-se na mesa”. É o que prescreve, com clareza e aparente relação com a realidade, um velho aforismo, quase uma profecia, do direito Anglo-saxônico (*).

É uma máxima que em suas poucas palavras, explica, expõe, e torna explícitas as razões praticas pelas quais nossos ouvidos são diariamente assaltados por um emaranhado de pensamentos (ou nem tanto) falsos, confusos, e, acima de tudo, inúteis e ofensivos. Não precisa o tempo exato, mas identifica a razão pela qual o debate se transformou em um interminável campeonato de arremesso de lama.

Parece já ir longe o tempo em que discutir fatos, leis, projetos, planos e preceitos morais era importante. Época passada que, pelo jeito, pode não voltar tão cedo. As ideias se decompõem aos olhos de todos como vitimas insepultas do cinismo imposto a golpes na mesa.

 

Em um debate em que todos afirmam estar seguros da legitimidade e benefícios de suas ideias e projetos, a mesa tem sido espancada com violência, virulência e frequência

Negar a culpa, autoria ou envolvimento; provar ou mesmo declarar inocência tem cada vez menos valor, se é que ainda conserva algum. O importante não é mais explicar porque as opções são diferentes e muito menos quais são seus benefícios ou qualidades.

Mais comum e, aparentemente mais aceitável e eficiente, tem sido explicar a ausência de diferenças. Lama é matéria prima ideal e indispensável para esta tarefa. Quando cobertos por ela, as opções parecem ser muito semelhantes.

Ver o que se esconde embaixo da camada de lama parece ser trabalho de Sizifu, reservado àqueles que, movidos por vocação, esperança ou perseverança, ainda procuram a luz no fim do túnel.

Em um debate em que todos afirmam estar seguros da legitimidade e benefícios de suas ideias e projetos, a mesa tem sido espancada com violência, virulência e frequência. Talvez porque os fatos e as leis não ofereçam o desejável e necessário abrigo aos argumentos e objetivos de cada debatedor.

E a lama segue sendo arremessada com precisão e arte, progressivamente eliminando a utilidade do debate, obscurecendo as diferenças entre as opções e ofendendo a inteligência alheia.

Definitivamente, não é época para ouvidos sensíveis. Ao fim e ao cabo, tudo parece muito igual. E muito ruim.
 
(*) “If you have the facts on your side, pound the facts. If you have the law on your side, pound the law. If you have neither on your side, pound the table.”

 

Elton Simões
Graduado em Direito (PUC);
Administração de Empresas (FGV);
MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução
de Conflitos (University of Victoria)

 



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