Caminhando com o Ano Litúrgico e seguindo o projeto de evangelização “O Brasil na missão continental”, a Igreja, neste mês de setembro, ajuda as comunidades a refletirem sobre o profeta Miqueias, com o tema “Para que n’Ele nossos povos tenham vida” e o lema “Praticar a justiça, amar a misericórdia e caminhar com Deus” (cf. Mq 6,8).
O Profeta Miquéias era judaíta, originário de Morasti, a Oeste de Hebron. Profetizou durante os reinados de Joatão (740-736 a.E.C., Acaz, no período de 736-716 a.E.C) e Ezequias (716-687 a.E.C). Por sua origem camponesa, tem semelhanças com Amós, com quem compartilha a aversão pelas grandes cidades, a linguagem concreta e às vezes brutal, o gosto pelas imagens rápidas e pelos jogos de palavras.
Miquéias foi um profeta que se sentia cheio de coragem para enfrentar os falsos profetas, denunciando os crimes e os pecados do seu povo. Denunciava as diferentes práticas de injustiças espalhadas pelo Reino do Sul, centralizadas em Jerusalém, e anunciava a promessa de libertação do povo. Já nos capítulos de 1-3 encontramos esse debate sobre o tema da justiça. E, logo em seguida, nos capítulos 4-5 encontramos o tema da salvação. Para o profeta, a salvação é coisa futura. Miqueias vê Jerusalém ameaçada de morte, arada como um campo e tomada de ruínas, mas também a vê sendo restaurada por Deus. Uma salvação que não é imediata, pois primeiro terá que passar por uma etapa de purificação, considerando que agora Jerusalém passa por momentos de dor e de derrota. Essa maneira de enxergar as coisas vai contra os falsos profetas que pregavam a antecipação da salvação.
Outro ponto de conflito entre os falsos profetas e Miqueias foi o lugar de onde sairia a salvação. Diante dos falsos profetas, Miquéias responde que será a cidade de Belém o ponto de partida da salvação: “E tu, Jerusalém” (4,8), “e tu, Belém” (5,1). A tradição cristã relê essa profecia em Mt 2,6 mostrando que Jesus é o Rei-Messias que nasceu numa cidade pobre, Belém, tornando-a importante e inesquecível para o mundo cristão.
Toda a reflexão de Miquéias sobre o conteúdo da salvação contribui para derrubar concepções errôneas, ajudando o povo a compreender a salvação como processo de julgamento de caráter purificador |
O terceiro tema discutido pelo profeta é o conteúdo da salvação. No capítulo 4 do livro do profeta Miquéias encontramos as promessas de Sião (4,1-2): “E acontecerá, no fim dos dias, que a montanha da casa do Senhor estará firme no cume das montanhas e se elevará acima das colinas. Povos afluirão para ela e numerosos povos dirão: “Vinde, subamos à montanha do Senhor e ele nos ensinará os seus caminhos e caminharemos pelas suas vias”. As montanhas, na Bíblia, são consideradas lugares dos encontros de Deus com seu povo (Sinai, Nebo, Ebal e Garazim, Sião, Carmelo, etc.).
No capítulo 5 Miquéias define sua profecia de salvação apontando para Belém como o lugar do nascimento do Messias. A salvação virá sem violências e será benéfica para todos (5,6). Os inimigos devem ser eliminados, mas para o profeta não são as grandes potências como vê os falsos profetas, mas sim todos os ídolos nos quais confiavam os israelitas: exércitos, fortalezas, adivinhos, falsas divindades (5,9-14). São esses os inimigos que Javé vai exterminar. Toda a reflexão de Miquéias sobre o conteúdo da salvação contribui para derrubar concepções errôneas, ajudando o povo a compreender a salvação como processo de julgamento de caráter purificador. No desenvolvimento do texto, percebemos como o profeta vai mostrando o caminho mais importante: aquele que passa pela justiça e pela fidelidade (6,8-9).
Miqueias apresenta as injustiças que permeiam a vida das pessoas nas diversas instâncias: social, econômica, política, religiosa e cultural. Mas, ao mesmo tempo, ele vai deixando claro como a misericórdia divina se manifesta, tornando-se presente na vida do ser humano, por meio de pessoas, atos e fatos da vida. A misericórdia divina demonstra que Deus não abandona as pessoas e continua visitando-as no seu cotidiano. Miqueias nos revela a grandeza do agir divino, no qual sua bondade prevalece sobre o castigo e a destruição (Mq 3,8). A ultima palavra de Deus não será de condenação, mas sim de salvação.
Nos dias de hoje, o Papa Francisco, por meio da bula de proclamação do Jubileu extraordinário da misericórdia, Misericordiae Vultus (o rosto da misericórdia), nos ajuda a compreender a ação misericordiosa de Deus. “Ele dá tudo de si mesmo, para sempre, gratuitamente e sem pedir nada em troca. Ele vem sempre em nosso auxílio quando o invocamos”. Na sua misericórdia, Deus chama todos para ser profetas e profetisas misericordiosos. Convida-nos a sermos homens e mulheres de Deus que deixam o Senhor falar verdadeiramente pela sua boca.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora da Comissão Arquidiocesana Bíblico-Catequética de Belo Horizonte