Nos tempos atuais, percebemos que a presença, a ação pastoral e o pensamento da Igreja católica estão cada vez mais em aberto diálogo com o mundo e o pensamento. Estes são momentos propícios para que nós, no diálogo aberto com a Igreja, possamos nos aproximar Jesus Cristo, da própria Igreja e das pessoas, famílias, comunidades, sociedade e daqueles a quem desejamos evangelizar, ou seja, apresentar os ensinamentos de Jesus em sua fundamental preocupação com o ser humano e sua felicidade: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo,31-32).
A aproximação de Jesus em nosso meio nos possibilita a fazer a experiência de Deus, pois é Jesus quem nos revela a misericórdia divina; concede-nos a graça de Deus e nos faz experimentar o amor incondicional de Deus Pai, um amor envolvente que nos insere como protagonista em sua própria história. Deus inicia sua história realizando atos de amor ao criar o ser humano, homem e mulher, à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,1-2,2a) e oferecendo a eles toda a sua criação para ser cuidada (cf. Gn. 2,4b-25). Com esse gesto de amor, Deus convida o homem e a mulher a se unirem para, junto com ele, tornarem-se cocriadores da humanidade.
Deus, na tradição cristã, Uno e Trino, é uma perfeita comunhão de pessoas que cria o ser humano à sua imagem e semelhança para existir e transmitir a vida como comunhão de pessoas. Deus cria pela sua palavra o ser humano que procria na vida conjugal. Assim, acontece uma Aliança de amor entre Deus e o ser humano e, numa relação de fidelidade ela passa a ser significada pela forma mais intensa da relação humana: o vínculo conjugal. Nesse sentido, o ser humano está acima de todas as criaturas e somente abaixo de Deus. É como diz o Salmo 8,6: “o ser humano foi criado um pouco menos que Deus”. Deus o criou, dotou-o de inteligência, vontade e liberdade, o abençoou e lhe deu como missão a preservação da espécie.
O exercício do amor é o que mais vincula o ser humano a Deus e é o que mantém, nele, a força divina para tudo transformar em ocasião de vida |
A criação de Deus vista no segundo relato da Bíblia nos chama a atenção porque aparece como obra das próprias mãos de Deus. É uma obra de arte maravilhosa. Aqui, o ser humano é também a criatura mais sublime e, à diferença do primeiro relato, o ser humano não surge do mesmo modo. Aqui, a mulher surge para suprir a solitária condição do homem. Acentua-se, assim, a necessária distinção dos sexos: homem e mulher. A mulher é companheira do homem com o qual irá estabelecer uma relação interpessoal, pela qual a sua identidade se afirma na diferença do gênero.
Nas duas narrativas percebe-se a responsabilidade dos dois: direitos e deveres são assumidos. A Igreja, considerada sacramento de Cristo, compreende e ensina que essa união natural abençoada por Deus está reservada para a união selada pelo vínculo conjugal do matrimônio. Essa é a vocação do Ser humano. Quando homens e mulheres procuram corresponder ao mais profundo de sua vocação, isso tem valor para a Igreja e a sociedade, não restringindo a compreensão da existência de outras configurações familiares, oriundas de situações sociais, culturais, econômicas e religiosas diversas. Compreende-se, então, que a família é a união das pessoas na consciência do amor, cuja força reside na sua capacidade de amar e ensinar a amar. Assim diz o Papa Francisco: “No horizonte do amor, essencial na experiência cristã do matrimônio e da família, destaca-se ainda, como virtude, a ternura”. (Papa Francisco, Amoris Laetitia, n. 38).
Desse modo, com um olhar de ternura, fé e amor, de graça e compromisso somos chamados a contemplar a família que a Palavra criadora de Deus confia nas mãos do marido, da esposa e dos filhos, para que formem uma comunhão de pessoas que seja imagem da união entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. (Papa Francisco, Amoris Laetitia, n. 29). Que possamos expandir esse olhar para todas as famílias, em suas mais diversas configurações, com respeito e zelo. O exercício do amor é o que mais vincula o ser humano a Deus e é o que mantém, nele, a força divina para tudo transformar em ocasião de vida.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora da Comissão Arquidiocesana Bíblico-Catequética de Belo Horizonte.