As ruas, as manifestações, a voz do povo, a visita do Papa Francisco … tanta coisa importante em tão pouco tempo. Muitas e diferentes pessoas foram para as ruas por razões diferentes, porém complementares.
As vozes das ruas consolidaram novo patamar de visão de futuro e das “portas estreitas” pelas quais deveremos passar para atingir o sonho compartilhado. |
Levando cartazes com diferentes dizeres e palavras de ordem, as pessoas foram para as ruas para lutar pela sua noção de “mundo melhor”, pela sua percepção de “paz universal”.
Passando pelo resgate do profano e iluminadas pelo sagrado, as vozes das ruas conseguiram consolidar um novo patamar de consciência, de visão de futuro e das “portas estreitas” pelas quais deveremos todos passar para atingir esse sonho que por algumas semanas foi coletivo e compartilhado.
Para as vozes não há limites. Elas ecoaram pelas paredes, pelas estradas, pela internet, pela imprensa escrita e falada e eixaram o povo surpreso com o próprio grito.
Mas e daí? E depois? Acabou a passeata, voltamos todos para nossas vidas … E como transformar aquela energia em resultado tangível? Como fazer tudo aquilo valer a pena?
Os cartazes de “com licença, estamos em obras”, ou “desculpe os transtornos, estamos construindo um Brasil melhor”, pedem passagem. Entretanto, para se tornarem realidade, não podem mirar só na classe política. Ela também precisa afetar quem gritou.
Afinal, gostemos ou não, a classe política é coisa nossa. Os políticos não são outra coisa, são nós mesmos com mais poder, com mais dinheiro, com maior assimetria de informações. A transformação da voz das ruas em “um mundo melhor” passa pela ressignificação do papel de cada gritante. Tem que passar necessariamente pela consciência de que ninguém muda ninguém, de que o outro é o outro, e não o que eu gostaria que ele fosse.
Somos todos passantes, incompletos e finitos. É preciso viver os próprios lutos, as próprias insignificâncias, as limitações de percepção de conhecimento, o valor da fé e a necessidade de periódicos “choques de realidade” que nos tirem as ilusões e nos tragam de novo à realidade, pois só nela vive a verdadeira solução.
O mundo melhor, idealizado pelas ruas, começa, de fato, na casa de cada um, no seu posto de serviço, na função que ele realiza, capilarmente, no seu dia a dia |
E onde entra “Francisco”? O líder “Francisco” entra no acolhimento dessas almas andarilhas que buscam um mundo melhor sem saber qual é a melhor rota. Um líder “Francisco , que viveu seu próprio exílio pelo de ser o de expectativas, construiu consciência sobre suas próprias fragilidades, que já consegue não projetar todas as características (em particular seus defeitos) nos outros, assume as próprias responsabilidades e, ao se dar conta de eu cada um precisa fazer sua parte , está traquilo, uma tranquilidade de avô, que sabe que tudo vem ao seu tempo, que o grande resultado é fruto de pequenas e persistentes conquistas.
O líder “Francisco” já se educou e conseguiu diminuir o efeito de suas próprias perturbações íntimas sobre as interpretações das situações internas e externas à organização e que agem sua lucratividade e a produtividade.
O líder “Francisco” abraça as vozes das ruas que vieram para dentro das empresas. As vozes dos profissionais que, depois de se indignar contra os políticos, percebem que também precisam, saudavelmente, se indignar contra cobranças indevidas, contra metas não suportadas por estrutura apropriada e pelo uso indevido do poder de um contra o outro.
O mundo melhor, idealizado pelas ruas, começa, de fato, na casa de cada um, no seu posto de serviço, na função que ele realiza, capilarmente, no seu dia a dia, com dignidade, honra e e maneira que ele não tenha dificuldade em explicar, detalhadamente os critérios utilizados em cada decisão tomada ao longo de um dia de trabalho.
O líder “Francisco”, simples, ouve, pondera, faz perguntas que estimulam a busca e a apropriação da responsabilidade, ajuda a encontrar as melhores soluções.
Uma “empresa melhor” pede um líder “Francisco”.
Sandro Márcio da Silva
professor da PUC Minas
professor e monitor da fundação Dom Cabral
pesquisador da Fundação João Pinheiro