“Orar” é colocar-se diante de Deus, reconhecer a própria condição humana e depositar nele toda a esperança |
A Páscoa, celebração da morte e ressurreição de Jesus Cristo, é para os cristãos a mais importante festa litúrgica. Já a Quaresma, é o tempo litúrgico que antecede e prepara as celebrações pascais. Desde a quarta-feira de cinzas, como preparação, este tempo requer, da parte dos católicos, atitudes expressivas de disposição de viver segundo a Páscoa. Neste sentido, viver a Quaresma é caminho para que a pessoa chegue à Páscoa com o coração mais fraterno e livre. Ao longo do caminho quaresmal, o cristão vai acolhendo a libertação já oferecida por Cristo na cruz. Quem de nós não deseja viver de modo novo? “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal 5,1).
Três atitudes caracterizam o caminho quaresmal, todas elas inspiradas no Evangelho. A Quaresma é tempo de esmola, de oração e de jejum (Mt 6,1-18). “Dar esmola” é criar espaço de liberdade consigo mesmo e ser capaz de oferecer ao outro algo meu. Exercitar a solidariedade e aceitar questionar o meu desejo de acumular. É mais do que depositar algumas moedinhas junto a alguém que pede pela calçada. “Orar” é colocar-se diante de Deus, reconhecer a própria condição humana e depositar nele toda a esperança. “Jejuar” é exercitar a liberdade interior em comunhão com os que têm fome e experimentar o vazio que o jejum traz. Vazio este que nos incomoda, faz pensar, desafia a rever o estilo de vida que levo e clama mudanças.
Outras atitudes podem marcar a Quaresma. Considerando os tempos de hoje e a vida movimentada da maioria de nossas cidades, indicamos outros possíveis exercícios quaresmais:
a) Silenciar-se. A cidade é o lugar da comunicação. Sons maravilhosos e ruídos se misturam. Raros são os momentos de silêncio. Ao silenciar-se, a pessoa abre espaço para a escuta mais profunda de si mesmo. Aí Deus fala. Que tal um dia de silêncio ao longo da quaresma?
O encontro com o outro ou com outras realidades sociais sensibiliza o coração humano. O coração da pessoa se renova quando ela se permite tocar pelo outro |
b) Peregrinar. Ainda que a pessoa na cidade transite sempre de um lado para outro, a peregrinação é um desinstalar-se diferente. Não é o mesmo que caminhar para manter-se em forma, como tantos fazem todos os dias. É percorrer um caminho, com direção, deixando que o próprio caminho fale através do que é novo, das surpresas, do inusitado. Que tal organizar-se para uma pequena peregrinação – a pé! – a um Santuário ou Igreja de sua região?
c) Reconciliar-se. O perdão é uma expressão pascal. Celebrar a Páscoa supõe estar reconciliado. A esmola, a oração e o jejum podem ajudar a perceber a necessidade de reconciliar-se consigo mesmo, com o outro, com Deus. Quem oferece o perdão encontra a paz! Por que não confessar-se nesta Quaresma?
d) Visitar. O encontro com o outro ou com outras realidades sociais sensibiliza o coração humano. O coração da pessoa se renova quando ela se permite tocar pelo outro. Um bom exercício, a título de exemplo, é visitar uma pessoa enferma, um idoso que vive só, um projeto social. Nestes encontros pode-se oferecer, mas com certeza se recebe muito mais.
e) Estar em família. Exercício um pouco estranho para alguns, mas não se considerarmos o pouco tempo que as famílias na cidade têm em comum. Que tal definir juntos um tempo ao longo da Quaresma para uma refeição com a presença de todos, para uma conversa descontraída ou para um passeio em família… enfim, um momento que ajude a recuperar o encontro e o diálogo dos membros da família.
Outros exercícios poderão ser descobertos. Para serem quaresmais devem contar com o desejo e o empenho de acolher em seu coração o Jesus Cristo, palavra viva do Pai, a verdade que liberta.
+ João Justino de Medeiros Silva
Bispo Auxiliar de Belo Horizonte