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Os “Zebedeus” que nos habitam

”Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda quando estiveres na tua glória”   
(Mc 10,37)

 
Outra vez um texto forte. Jesus acaba de anunciar aos seus discípulos a decisão de ir a Jerusalém, lugar da entrega da vida a serviço do Reino; os doze, no entanto, começando pelos filhos de “Zebedeu”, só pensam em “estar bem colocados” para alcançar uma cota maior de poder. Os “zebedeus” pedem trono, mas Jesus só lhes pode oferecer seu próprio gesto de entrega da vida; os dois irmãos pensam em títulos de honras e preferências, mas Jesus só lhes garante sua fidelidade no caminho do Reino: “Vós bebereis o cálice que eu devo beber e seres batizados com o batismo com que eu devo ser batizado” (Mc 10,38).
 
Os “zebedeus” seguiam a Jesus, mas não entendiam Sua proposta, não compreendiam que Ele não queria ocupar um trono (não queria reinar), mas doar a vida em favor dos outros, para que todos, homens e mulheres (e em especial os mais necessitados), fossem dignificados. Jesus não busca trono, nem para si nem para seus seguidores, pois seu Reino não pode ser entendido na linha da “tomada de poder”.
 
Eles caminham ao lado de Jesus mas só escutam aquilo que não lhes convém; fazem estrada com Jesus mas estão fechados em seus próprios interesses; seguem Jesus de perto mas estão bem longe de sua proposta de vida. Todos “sobem a Jerusalém”, mas cada um com sentimentos diferentes.
 
Marcos insiste em mostrar o contraste radical entre Jesus e seus discípulos, no que se refere à atitude básica diante da vida. Para o Mestre, a vida é oferta que se expressa em serviço; os discípulos, pelo contrário, parecem reduzir a existência a uma questão de autoafirmação do próprio eu, pelo qual se veem enredados pelo apetite de poder e grandezas.
 
Em certa medida, ambas atitudes manifestam os dois estilos nos quais podemos nos situar na vida: em chave de doação ou em chave de autocentração. Jesus e “zebedeus”: qual dos dois impulsos alimentamos na vida cristã?
 

Jesus não quer “chefes” sentados à sua direita e à sua esquerda, mas servidores como Ele, gente de entrega eficaz, que saiba gastar a vida em favor dos outros

Jesus, com seu modo de viver, nos coloca diante da contínua tentação que nos ameaça: o gosto do poder, da comodidade, de pompas, de querer ser como os “chefes das nações”, de ter privilégios, de ser servido… Sua proposta de vida é de uma sabedoria e de uma humanidade finíssima; seu horizonte é o serviço.
 
A busca de poder nunca consegue unificar nem criar harmonia, mas divide as pessoas, criando ressentimentos, competições, vaidades…
 
Jesus não quer “chefes” sentados à sua direita e à sua esquerda, mas servidores como Ele, gente de entrega eficaz, que saiba gastar a vida em favor dos outros. Sua comunidade não se constrói a partir da imposição dos de cima, não haverá lugar para o poder que oprime; nela não cabe hierarquia alguma de honra e dominação, mas hierarquia de serviço; tampouco métodos e estratégias de poder; é o serviço que constrói a comunidade cristã. “Quem quiser ser grande seja vosso servidor; e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos” (Mc 10,43).
 
O Evangelho se torna assim um guia de servidores. Não é diretório para triunfar, nem manual para ganhar poder e dominar sobre os outros. Por isso, todos aqueles que, alguma vez, buscaram ou buscam poder e prestígio na Igreja, se equivocam de Messias e se afastam do Reino.
 
No grupo dos seguidores de Jesus, aquele que quer sobressair e ser mais que os outros, deve se deslocar para o último lugar; assim, a partir da perspectiva dos últimos, poderá ter melhor visão daquilo que eles mais necessitam e poderá ser servidor de todos.
 
A verdadeira grandeza consiste em servir com amor; o serviço é a manifestação prática do amor. E o amor busca sempre o último lugar, precisamente porque esse é o lugar mais universal; é o lugar que mais nos humaniza, o que mais humaniza a vida, a convivência, a sociedade.
 
A partir deste pano de fundo, os evangelhos aparecem como um manual de uma Igreja de servidores, onde a vida adquire seu mais profundo sentido, onde surgem relações novas, fundadas na gratuidade, na compaixão, na acolhida…
 
Para o “líder servidor” na Igreja, a liderança não significa cargo, privilégio, títulos ou dinheiro, mas é exercitar uma responsabilidade no serviço. Ele não se pergunta: “quê quero”, mas “em quê posso ajudar?”, ou “o quê deve ser feito?”.
 
Assim, os líderes servidores são doadores e não receptores. Nunca se apegam a uma posição ou cargo. Escutam e aprendem daqueles aos quais lideram. São disponíveis, vão de um lugar para outro, falando e ouvindo as pessoas de todos os níveis da instituição.
 
E assim, servir e ajudar, em lugar de mandar e controlar, são as palavras de ordem dos novos líderes. Portanto, liderar com autoridade implica espírito de confiança, tratar o outro com bondade, ou ir atentamente, ter verdadeiro respeito para com os talentos do outro, ter real interesse por ajudar o outro para que tenha êxito, manter acesa a chama do sonho para que cada um possa tirar o melhor de si mesmo a favor da comunidade, sintonizar com os princípios profundos e valores permanentes da vida, expressar consideração, elogio e reconhecimento pela atuação do outro, afastar todo preconceito…
 
A identificação com o “divino serviço” atua, em cada cristão, como força rompedora daquilo que é tradicional, o conhecido, o “status quo”… levando-o a “inventar” respostas criativas e originais aos velhos desafios de seu tempo. Ele desenvolve uma liderança clara, realista, centrada, universal, comprometida com a vida; um líder que ama o que faz, pois é consciente de sua missão, descoberta em sua amorosa e infatigável busca da Vontade de Deus.
 
Ele sabe desenvolver uma liderança inserida nas realidades deste mundo, mas sempre com o olhar fixo em discernir para buscar, encontrar, sentir e fazer  o que é “melhor” no serviço divino.

Inspirados no modo de proceder de Jesus, podemos traçar o perfil do servidor cristão:

* Pessoas abertas à ação de Deus com um  projeto de vida comum, orientado por uma Espiritualidade  e coerentes com seu   testemunho de vida.

* Pessoas sensíveis e conscientes frente à realidade social, comprometidas em um testemunho de vida a serviço aos outros e com os outros, para transformar e construir uma sociedade na paz e na convivência.

* Pessoas compassivas: possuidoras de uma qualidade humana fundada no amor, na compaixão, na ternura e no serviço.

* Pessoas comprometidas: que acompanham o processo de crescimento do outro de maneira tolerante, justa, próxima e exigente.

* Pessoas com identidade espírito comunitário, capazes de trabalhar em equipe.

Para  refletir:
 
Texto bíblico:  Mc. 10,35-45 
 
Na oração: suplicar a graça para “desvelar” (tirar o véu) os “zebedeus ocultos” que atrofiam a vida e
es esvaziam o dinamismo do seguimento de Jesus; verificar em quê circunstâncias eles mais se manifestam: na família? No trabalho? Na comunidade?…
 

Pe. Adroaldo Palaoro, SJ
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI

 



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