Recentemente, um relatório da ONG mexicana “Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal” apontou que o Brasil concentra 21 das 50 cidades com o maior número de homicídios em todo o mundo. Outros dados apontam que, somente em 2014, uma pessoa foi assassinada em nosso país a cada dez minutos. Diariamente, oito pessoas foram mortas por policiais e um policial perdeu a vida (nem sempre no exercício de sua atividade).
Matam-se cerca de 58 mil pessoas por ano em nosso país. É verdade, que essa carnificina é seletiva. As vítimas em sua maioria absoluta são pobres, negros, moradores das periferias.
Ao contrário do senso comum e do estardalhaço feito pelos grupos conservadores, aqui inclusa a grande mídia, não são somente os bandidos perigosos que ceifam esses milhares de vidas. Além da letalidade policial muito alta, é preciso registrar que crimes banais e fúteis, cujos autores nem sempre têm antecedentes criminais, representam cerca de 40% desse total. Os custos para matar no Brasil são baixíssimos. Somente cerca de 8% dos homicídios são processados integramente pelo sistema de justiça criminal.
Nossa cultura punitiva, repressiva e pouco vocacionada para a proteção da vida, principalmente da vida dos grupos mais vulneráveis, invisibiliza e naturaliza essa carnificina. E, quando esporadicamente o problema aparece na agenda pública, principalmente em ocasiões propícias para a exploração seletiva do fenômeno, buscam-se soluções draconianas: recrudescimento da legislação penal; mais aparato repressivo; adensamento das prisões. Se essas medidas resolvessem, o Brasil seria um oásis de paz e prosperidade.
Ás vezes, a solução é nomear bodes expiatórios: os defensores dos direitos humanos, os grupos garantistas ou o governo de plantão. Eleito o bode, todos se desresponsabilizam de sua parcela de “culpa” e a vida segue seu ritmo “natural”.
Porém, sejamos claros: nenhuma medida salvadora, pontual e emergencial resolverá o problema. A explosiva combinação de uma série de variáveis é responsável pelo absurdo indicador de homicídios e precisa ser considerada para a mudança desse cenário dantesco.
Não necessariamente nesta ordem, mas, o poder público tem que enfrentar de forma articulada e permanente o fácil acesso e a falta de controle das armas de fogo (o vetor dos homicídios).
Ademais, somente uma reforma substantiva poderá melhorar a ineficiência do sistema de justiça criminal, cujo modelo policial é ultrapassado; os órgãos da justiça (Ministério Público e Judiciário) são altamente seletivos e morosos e cujo sistema prisional medieval não cumpre sua função.
Obviamente, os governos têm suas responsabilidades: a incapacidade de articulação de um pacto nacional de enfrentamento dos homicídios e a ausência de liderança do governo federal são óbices para o enfrentamento do problema. Mas, há que se registrar também a falta de cooperação e interesse dos governos estaduais que não querem assumir o ônus do enfrentamento dos dilemas do sistema de segurança pública nos estados.
Por fim, a naturalização e banalização da vida pela sociedade, principalmente quando se trata da vida dos pobres, corrobora essa paralisia decisória, reforça o jogo de empurra entre as agências públicas e denuncia uma sociedade incapaz de proteger seu maior patrimônio: a vida das pessoas.
Robson Sávio Reis Souza
Coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp/PUC Minas)
Associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública