Marcos foi o primeiro a redigir sua obra literária sobre Jesus e seu discipulado, criando o gênero literário próprio que passou a ser chamado de “Evangelho”. Na leitura desse Evangelho, Marcos deixa claro o objetivo que ele quer alcançar: é o resgate e a importância do Jesus terreno para a vida das comunidades e para o anúncio da fé.
Nesse sentido sua preocupação era demonstrar como ser discípulo e se colocar no seguimento de Jesus. Preocupação que se torna presente, hoje, em nossa realidade, num contexto de pós-modernidade, subjetividade e pluralidade.
Marcos quer ajudar as comunidades a encontrar o caminho do seguimento. Ao ensinar, trás um jeito novo de contar as histórias de Jesus para que as comunidades possam se descobrir nelas como ser discípulas/discípulos de Jesus. Na apresentação do Evangelho, Marcos se preocupa não somente com a transmissão de doutrina ou princípios éticos de vida, mas com a revelação da pessoa, das palavras, dos gestos e da obra de Jesus. Aqui, Jesus age, cura doentes e expulsa demônios.
A importância do chamado ao discipulado
O chamado é importante. Jesus começa com um chamado (Mc 1,16-20) e termina com um chamado (Mc 16,7.15). Quando os discípulos não entendem alguma coisa, Jesus explica a eles dizendo: “A vocês é dado o mistério do Reino, mas aos de fora tudo acontece em parábolas” (Mc 4,11; 4,34). Jesus tem uma grande paciência com eles, mas ao instruí-los deixa bem claro em que implica segui-lo: “Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la”(8,35).
Depois de apresentar o ministério de Jesus, na Galileia e nas regiões vizinhas, Marcos apresenta os ensinamentos de Jesus mostrando quais deveriam ser as expectativas de quem quiser segui-lo: sair de casa e percorrer com ele o caminho da Judéia, subindo até Jerusalém. O momento é de decisão. Não basta apenas ficar do lado dele, como espectador, sem se comprometer. O convite é para se comprometer ao lado dele.
A caminhada missionária de Jesus e seus discípulos
No caminho, a missão vai acontecendo e Jesus, por meio de palavras e gestos vai instruindo-os e mostrando a necessidade de mudar a mentalidade, a cultura religiosa e a ideologia político-econômica. Jesus não só propunha, mas reivindicava inversão de valores.
As instruções de Jesus para o discipulado são radicais, insistem para não escandalizar a ninguém humilde/pequena, que crê em Jesus. Todas as formas de escândalos são condenadas porque se tornam empecilhos que desviam da graça de Deus. Jesus mesmo sempre se identificava como Filho do Homem, expressão que tem em si o sentido de humildade da condição divina, rejeitando qualquer interpretação glorioso-messiânicas sobre sua pessoa.
As características centrais do Filho do Homem e Mestre era curar, restaurar a vida e sua dignidade com base na compaixão e na fé. E os discípulos de Jesus que faziam o caminho junto com ele, rumo a Jerusalém, não entendiam como ele realizava as curas, principalmente de exorcismos. Ao pedir explicações para Jesus, sua resposta era que para a realização das curas, a centralidade é a fé e muita oração. Nesse sentido e para o Evangelho de Marcos, a oração não é só um recitar de palavras mágicas, e sim a própria expressão da fé que se manifesta diante de Deus. A oração exprime a união íntima com Deus e com o seu plano, porque só Deus pode desalienar a pessoa, vencendo o mal.
Ao falar das exigências do Reino, Jesus coloca a importância da diaconia/serviço: o maior deve ser o servidor de todos; poder e riqueza são obstáculos à sua participação. “Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). Jesus chama a atenção não para o status social, mas para o serviço e procura ressaltar a importância de participar da luta contra o mal. Jesus ensina que no Reino de Deus não há acepção de pessoas, nem privilégios para quem ocupa melhor status sociocultural. Ao contrário, há espaço e acolhida para quem realmente quer viver e vivenciar a novidade da Boa Nova, o Evangelho. E assim Jesus preparava o seu grupo para aquilo que seria inevitável enfrentar na capital, em decorrência de sua práxis de libertação: a cruz.
No caminho de inversão, é inevitável passar pela cruz. Foi necessário um longo caminho de ensino e aprendizado. No caminho de formação discipular, sempre de novo homens e mulheres tiveram que aprender a se tornar novos homens e novas mulheres, a construir novos valores e novas posturas, orientados pelos ensinamentos da práxis libertadora de Jesus. Os conflitos continuam, mas sempre serão criadas novas esperanças de fraternidade e não de destruição e opressão, se permanecermos fiéis ao projeto de Jesus, mesmo quando as forças contrárias parecerem serem invencíveis.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora da Comissão Arquidiocesana
Bíblico-catequética de Belo Horizonte.