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Os apelos do Papa Francisco para o Jubileu da Esperança – artigo do padre Eliseu de Paiva Gomes

O que é um Jubileu?

A palavra jubileu vem do hebraico yobel e quer dizer “sonido de trombeta”. Era um instrumento feito do chifre do carneiro com o qual se extraia uma nota musical longa e aguda, usado para anunciar o Ano do Jubileu. A cada 50 anos se convocava este ano “extra” como está descrito no livro do Levítico (cf. Lv 25, 8-13). No Antigo Testamento celebrar o jubileu era algo muito importante e solene, pois era considerado o ano de resgate. Nele eram observados preceitos tais como o repouso da terra e o descanso dos trabalhadores, a liberdade de escravos, a instituição de normas que regularizavam a negociação de propriedades, o resgate de propriedades das famílias, dívidas eram anuladas e outras mais.

O ano do Jubileu convidava e interessava a todos e levava também em conta, duas grandes premissas da ótica divina: 1º) o reconhecimento por parte de todo o povo, de que as desigualdades não provêm de Deus, mas sim do pecado, principalmente, a usura, o poder temporal e o egoísmo; 2º) para todos reconhecerem, que embora contritos pelos pecados podiam receber o perdão concedido por Deus, que ama a todos sem medidas. O Jubileu lembrava a libertação e como tal, sua mensagem já trazia a chegada do reino de Deus anunciada por Jesus “O Libertador”. Jesus nos deixou grandes legados e nos disse que veio para cumprir a Lei e não anulá-la, portanto, Ele próprio também cumpriu em si mesmo, o Jubileu festejado no Antigo Testamento. O profeta Isaías disse: “o ano aceitável do Senhor” (Is 61-2) e “o ano dos meus redimidos é chegado” (Is.63-4).

Peregrinos de Esperança

A Igreja Católica neste ano de 2025, com os seus 1,3 bilhões de fiéis espalhados pelo mundo, está vivendo um tempo bonito da graça de Deus: o Jubileu da Esperança. O primeiro foi celebrado no ano de 1300, sob o pontificado do papa Bonifácio VIII. A sua frequência mudou ao longo do tempo: no início era a cada 100 anos; passou para 50 anos em 1343 com Clemente VI e para 25 em 1470 com Paulo II. Também há jubileus “extraordinários”: por exemplo, em 1933 Pio XI quis recordar o aniversário da Redenção e em 2015 o Papa Francisco proclamou o Ano da Misericórdia.

Inspirado no texto bíblico da carta de São Paulo aos Romanos “Spes non confundit” – a esperança não decepciona (Rm 5,5), o primeiro Jubileu do terceiro milênio pretende ser ocasião para redescobrir e reavivar em toda Igreja, no coração de cada fiel, a virtude da esperança. O Papa deseja que este Ano Santo seja também uma oportunidade especial, para que todos façam um encontro vivo e pessoal com Jesus Cristo, “porta” de salvação (Jo 10,7.9); com Ele, que a Igreja tem por missão anunciar sempre, em toda a parte e a todos, como sendo a “nossa esperança” (n.1).

A escolha do lema Peregrinos de Esperança revela algo que é essencial na vida cristã. A peregrinação faz parte da missão da Igreja e o cristão sabe que a sua pátria definitiva não é neste mundo, mas no céu. Por isso, peregrinar é algo constituinte do ser cristão. No entanto, não se caminha sem esperança, ainda mais num mundo tão cheio de conflitos, guerras e tantos sinais de desesperança. A esperança é combustível, ela traz conforto e coragem ao peregrino em meio aos sofrimentos do tempo presente. A esperança educa o cristão a olhar para o futuro sempre com uma perspectiva otimista, sem jamais desistir. A esperança alimenta a certeza de que vale a pena lutar e perseverar para superar os momentos difíceis.

O tempo jubilar não se resume apenas a um evento litúrgico, mas também deseja ser um grito profético para um mundo que precisa tanto de esperança. É um convite à solidariedade, para que todos, unidos como irmãos e irmãs, possam construir um mundo mais justo e fraterno. Com base nessa compreensão, o Papa Francisco apresentou diversos apelos em sua Bula de Proclamação do Jubileu.

Esperançar a paz no mundo

O primeiro sinal de esperança desejado pelo Papa Francisco neste jubileu é a paz no mundo. Ele expressa essa intenção ao afirmar: “(…) O mundo, mais uma vez imerso na tragédia da guerra (…) encontra-se de novo submetido a uma difícil prova, que vê muitas populações oprimidas pela brutalidade da violência” (n. 8). Infelizmente, nos últimos dois anos, a tragédia das guerras só aumentou. Segundo uma pesquisa do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), de Londres, referente ao período de 1º de julho de 2023 a 30 de junho de 2024, existem mais de 134 guerras e outros conflitos armados em andamento no mundo. Em apenas um ano, mais de 200 mil pessoas já foram mortas nesses conflitos.

A situação se agrava com o aumento do número de refugiados, que já ultrapassa 40 milhões em todo o mundo, de acordo com dados das Nações Unidas (ONU). Os motivos para tantas guerras permanecem os mesmos: ganância pelo poder político e territorial. Diante desse cenário, Francisco conclama os líderes dessas nações a buscarem ações diplomáticas que promovam o fim imediato das guerras e conflitos, visando à construção de uma paz duradoura. Ele enfatiza: “A guerra é sempre uma derrota. Ninguém ganha, todos perdem; apenas os fabricantes de armas lucram” (Papa Francisco, 6 de dezembro de 2023, Vaticano).

Esperançar a humanidade para a transmissão da vida

O Papa Francisco faz um apelo para que a humanidade recupere o desejo e a alegria de transmitir a vida (n. 9). Há uma grande preocupação com as baixas taxas de natalidade, que têm diminuído de forma alarmante na maioria dos países ao longo dos anos. Para se ter uma ideia, segundo estudos publicados pela revista britânica The Lancet, em 24 de abril de 2024, até o ano de 2100, apenas 6 (3%) dos 204 países terão níveis sustentáveis de nascimentos para a reposição populacional. Isso significa que os países enfrentarão sérios problemas econômicos e sociais, como uma população mais envelhecida, declínio e escassez da força de trabalho, maior pressão sobre os sistemas previdenciários, baixo crescimento econômico, inflação descontrolada, aumento das demandas no sistema de saúde para tratar os idosos, entre outros. A diminuição alarmante da taxa de natalidade pode até mesmo ameaçar a continuidade da vida humana em muitos países. Diante desse cenário, o Pontífice pede, com urgência, que se estabeleça um pacto entre os fiéis e a sociedade civil para garantir que, no futuro, “o desejo dos jovens de gerar novos filhos e filhas possa ser marcado pelo sorriso de tantos meninos e meninas que, em muitas partes do mundo, venham encher os demasiados berços vazios” (n. 9).

Esperançar os que estão privados de liberdade

O Jubileu também é um tempo para levar esperança a tantos que hoje se encontram nos presídios. O banco de dados World Prison Brief, órgão internacional que fornece informações sobre os sistemas prisionais em todo o mundo, contabiliza que a população carcerária mundial já ultrapassa 11 milhões de pessoas, das quais 3 milhões estão presas provisoriamente. Os fatores que levam a esse aumento da população carcerária são diversos e, muitas vezes, complexos. De acordo com o World Prison Brief, um dos principais fatores está relacionado às culturas políticas cada vez mais punitivas e à aplicação rigorosa da lei, que tornam mais fácil encarcerar pessoas do que investir em ações educacionais e preventivas como resposta aos problemas sociais.

Francisco faz um apelo aos governos para que proponham iniciativas capazes de recuperar a esperança e garantir condições dignas nos presídios para os irmãos e irmãs privados de liberdade. Entre essas iniciativas, destacam-se: “formas de anistia ou perdão da pena; percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um compromisso concreto de cumprir as leis” (n. 10). O Pontífice pede também que, nesses ambientes, os direitos humanos dos presidiários sejam sempre garantidos e que, nos países onde a pena de morte ainda é uma realidade, ela seja abolida (n. 10). Esse apelo ecoa as palavras de Jesus Cristo no início de seu ministério, ao citar o profeta Isaías: “O Senhor (…) enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem, para curar os desesperados, para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos prisioneiros” (Is 61,1-2). Que este tempo jubilar seja, também, uma oportunidade de esperança e perdão para aqueles que erraram, mas desejam uma nova chance para recomeçar suas vidas.

 

Esperançar os doentes e os jovens

O tempo do Jubileu é também uma oportunidade para sensibilizar as pessoas sobre o cuidado com os doentes e o acompanhamento dos jovens. Aos doentes e idosos, o Papa pede que “os seus sofrimentos encontrem alívio na proximidade de pessoas que os visitem e no carinho que recebem” (n. 11). Ele incentiva as comunidades a olharem com mais atenção não apenas para os enfermos, mas também para os idosos. É um tempo de lançar um olhar agradecido para essas pessoas que, apesar da fragilidade e da velhice, continuam a oferecer um belo e sábio testemunho de fé junto a tantas comunidades.

Para os jovens, Francisco solicita que sejam ajudados a não perder seus sonhos nem seu entusiasmo: “Como é belo vê-los irradiar energia, quando voluntariamente arregaçam as mangas e se comprometem nas situações de calamidade e mal-estar social!” (n. 12). Por outro lado, “é triste ver jovens sem esperança (…), sem perspectivas de um futuro, por falta de estudo ou emprego” (n. 12). Ainda mais triste é o perigo da “ilusão das drogas, a busca do efêmero (…), fazendo-os escorregar para abismos escuros e impelindo-os a gestos autodestrutivos” (n. 12). O convite, neste tempo de Jubileu, para a Igreja em relação aos jovens, é o da proximidade, do cuidado e do acompanhamento. É assim que o Papa acredita ser possível realmente inspirar esperança nos jovens: “Cuidemos dos adolescentes, dos estudantes, dos namorados, das gerações jovens. Sejam próximos dos jovens, alegria e esperança da Igreja e do mundo” (n. 12)

 

Esperançar os migrantes e os pobres

Francisco tem sido uma grande liderança na defesa dos migrantes e dos pobres desde o início de seu pontificado. Segundo as estatísticas da ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, apenas no ano de 2023, aproximadamente 117 milhões de pessoas foram forçadas a deixar seus países devido a guerras, conflitos e violações de direitos humanos. Em 2024, estima-se que esse número tenha chegado a 120 milhões de refugiados e migrantes. Esse cenário representa um grande desafio para os países que recebem os migrantes, muitas vezes sem logística e infraestrutura adequadas para acolhê-los. Além disso, os migrantes enfrentam o peso do preconceito e da discriminação em uma realidade completamente nova. Por isso, o apelo do Papa é conclamar as autoridades a garantirem aos migrantes e refugiados “a segurança e o acesso ao trabalho e à instrução, instrumentos necessários para sua inserção no novo contexto social” (n. 13).

É preciso também inspirar esperança nos pobres. Estima-se que, no mundo, cerca de 1,1 bilhão de pessoas sejam consideradas multidimensionalmente pobres, ou seja, privadas de saúde, educação e itens básicos para viver com dignidade. A ONU projetou que, somente no ano de 2024, aproximadamente 692 milhões de pessoas passariam a viver na pobreza extrema. Diante dessa triste e urgente realidade da pobreza no mundo, Francisco lança um grito profético a todos: “Não podemos desviar o olhar de situações tão dramáticas, (…) todos os dias encontramos pessoas pobres ou empobrecidas e, por vezes, podem ser nossas vizinhas de casa. Frequentemente, não têm uma habitação nem alimentação suficiente para o dia. Sofrem a exclusão e a indiferença de muitos” (n. 15).

Neste tempo jubilar, o Papa recomenda alguns gestos concretos para reduzir a pobreza no mundo. Primeiramente, que as nações mais ricas criem um Fundo Global para erradicar a fome e ajudar no desenvolvimento dos países mais pobres (n. 16). Outro apelo do Pontífice é que os países mais ricos perdoem as dívidas das nações mais pobres, considerando que estas nunca poderão quitá-las (n. 16). O convite a um mundo mais justo, menos desigual e com melhores condições de vida digna para todos é um grande sinal de esperança.

 

Esperançar a unidade entre os cristãos

Outro apelo importante para este Jubileu é o ecumenismo, especialmente porque, em 2025, serão celebrados os 1700 anos do Concílio de Niceia. O Papa afirma: “O Ano Jubilar poderia ser uma oportunidade significativa para dar concretude a esta forma sinodal, que a comunidade cristã vê hoje como uma expressão cada vez mais necessária para melhor corresponder à urgência da evangelização: que todos os batizados, cada um com o seu carisma e ministério, sejam corresponsáveis, para que, através da multiplicidade de sinais de esperança, testemunhem a presença de Deus no mundo” (n. 17). A unidade entre os cristãos precisa ser buscada e edificada continuamente à luz de um diálogo sincero e respeitoso das diferenças, seja na prática da oração comum, mas, sobretudo, na reflexão teológica, onde, infelizmente, ainda persistem muitas resistências e posturas de fechamento.

A comemoração dos 1700 anos do Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, de acordo com Francisco, “representa também um convite a todas as Igrejas e comunidades eclesiais para continuarem avançando no caminho rumo à unidade visível” (n. 17). Um gesto concreto deste Jubileu seria a possibilidade de uma celebração comum da Páscoa entre os cristãos do Oriente e do Ocidente. O Pontífice também manifesta um “desejo vivo” de que “haja uma celebração ecumênica onde se revele a riqueza do testemunho dos mártires” (n. 20) das diferentes confissões cristãs.

Esperançar o perdão e a misericórdia

O tempo do Jubileu é também uma ocasião para a experiência do perdão de Deus e de sua misericórdia. Por isso, ao longo deste ano, diversas iniciativas serão oferecidas para ajudar os fiéis a vivenciarem plenamente essa dimensão tão essencial da fé cristã. Nesse sentido, o Papa recorre à Tradição da Igreja, oferecendo: a) indulgências, que permitem descobrir a infinita misericórdia de Deus (n. 23); b) o sacramento da Penitência, que assegura que Deus perdoa e apaga os nossos pecados (n. 23); c) a presença dos Missionários da Misericórdia, para restaurar a esperança e perdoar todos aqueles que se apresentarem de coração aberto e espírito arrependido (n. 23); d) as peregrinações às basílicas papais e santuários, como uma oportunidade de redescoberta do valor do silêncio, do esforço que une corpo e espírito em busca do sagrado (n. 5); e) a intensificação da prática das obras de misericórdia, tanto corporais quanto espirituais; e por fim, f) a interseção dos santos e santas, em especial da Virgem Maria, Mãe da esperança, aquela que soube confiar e esperar no Senhor (n. 24).

Enfim, que seja o ano jubilar de 2025 um tempo favorável para cada batizado renovar sua fé, fortalecer o amor e abrir-se mais à esperança. Para nós cristãos, a esperança é mais do que uma virtude teologal ou um dom do Espírito Santo, ela é uma pessoa: Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Que ancorados nele, sejamos fortes e corajosos para enfrentar as tempestades e adversidades da vida. Cheios de alegria e esperança, na força do Espírito Santo, sejamos testemunhas de transformação do mundo, a fim de que nele “habite a justiça e a harmonia entre os povos, visando a realização da promessa do Senhor” (n.25).

 

Padre Eliseu Donisete de Paiva Gomes é mestre em Teologia Sistemática pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) Belo Horizonte. Pós-graduando em Teologia Pastoral pela Universidade São Francisco de Assis (USF), Bragança Paulista, SP. Participa do Grupo de Pesquisa Fé Cristã e Contemporaneidade da FAJE e colabora pastoralmente na Paróquia Nossa Senhora da Paz, bairro Cachoeirinha, na cidade de Belo Horizonte. Email:eliseu.teopraxis@gmail.com 

 

 

 



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