A consulta médica é habitualmente pensada como um meio para se obter o diagnóstico e consequentemente a indicação dos procedimentos terapêuticos mais adequados.
Se devidamente valorizada pode se tornar, além de um meio, um fim, pois pode tornar-se terapêutica per si. Valorizar a consulta é reconhecer sua importância, quando a escuta, a palavra e o raciocínio clínico assumem o papel de principais instrumentos para a abordagem do paciente.
Infelizmente o que observamos atualmente é que, ao contrário, a consulta médica tem se esvaziado em termos de valor. Médicos e pacientes têm sido atropelados por uma série de fatores que provocam esse esvaziamento entre os quais destaco: A sedução tecnológica, a ilusão farmacológica e a super-especialização.
De certa forma, por meio delas, médicos e pacientes recalcam sua subjetividade. “Ao abraçar sua vocação científica a medicina parou de sonhar. O saber científico sobre os astros excluiu o olhar romântico sobre as estrelas”. O que não impediu que a mãe de Kepler fosse feiticeira.
Chamo de sedução tecnológica o fascínio que o crescimento acelerado dos equipamentos médicos, para executarem os chamados exames complementares, vem exercendo sobre todos, destituindo a escuta e a palavra com tudo o que podem conter de magia. Destituindo também a pessoa do médico, com seus sentidos, como realizador do exame físico do paciente, e ao mesmo tempo, deslocando o exame complementar do seu lugar de complemento. Escuta, ausculta, inspeção e palpação, principais procedimentos do exame médico, são substituídos pelos exames complementares. Isto leva à situação absurda e frequente na qual o pedido de um exame substitui as queixas! O paciente vai à consulta não para se queixar, mas para pedir um pedido de exame!
A ilusão farmacológica comporta um deslocamento parecido. Aqui o fármaco é deslocado do seu lugar de auxiliar do tratamento, para o lugar de solução. No final das contas todos acabam procurando um remédio para o “mal estar da civilização”, ou até mesmo, numa situação extrema, um remédio para a morte, como se essa fosse uma doença! Pílulas substituem a escuta e a palavra, ao invés de agirem como facilitadoras dessas.
A super- especialização é a consequência da separação dos saberes. “O equivalente tecnológico da separação dos saberes foi a linha de montagem, na qual cada um conhece apenas uma fase do trabalho”. Perde-se a noção do todo e ao mesmo tempo libera-se de qualquer responsabilidade. Na medicina o equivalente à linha de montagem é o “conluio no anonimato”, assim denominado por Balint. Refere-se á situação na qual o paciente é atendido por uma série de especialistas, (análogos aos trabalhadores da linha de montagem), de tal maneira que a separação dos saberes no campo da medicina opera uma separação imaginária do doente. O paciente é tratado por vários especialistas ao mesmo tempo, mas na verdade não tem nenhum médico que se responsabilize por seu tratamento!
Sem dúvida a ciência é fundamental para a medicina, mas se prescindir da arte e da magia ela estará fadada a se reduzir ao “Dr. Google”!
João Carlos Martins