É nítido hoje no cotidiano dos homens um processo de “invisibilidade” dos problemas ou situações que não os afetam diretamente. Não é raro encontrarmos pessoas com dificuldades extremas e nem ao menos nos importarmos com o sofrimento alheio. É uma onda de individualismo – que se opõe em certa medida à individualidade – que se alastra por diversas camadas do convívio social.
Esse fenômeno não pode ser desligado do exagero consumista, dos chamados “pacotes de felicidade”. Ele transforma gradualmente indivíduos, agentes no ambiente social entendidos como homens e mulheres capazes de reconhecer sua singularidade, em simples reprodutores das maquinas e produtos midiáticos aos quais são expostos. Nesse processo o indivíduo perde o senso crítico e também a capacidade de reconhecer no diferente – e principalmente no diferente daquilo que é vendido pelas mídias – a dignidade e a igualdade que há entre eles na condição de seres humanos.
Com toda essa transformação das relações sociais, o que parece intrínseco à natureza do homem e também elemento importante para a preservação da vida, que é o interesse pelo outro, torna-se cada vez mais superficial ou pautado pela reciprocidade. Quanto mais entranhados nesse sistema, maiores são as nossas “taxas” para os relacionamentos. Quanto maiores as nossas exigências, menos são as possibilidades de ligações interpessoais e maior é a nossa distância com a natureza humana em sua essência.
Por mais diferente que o outro seja, ele tem a mesma dignidade que você É necessário passar a olhar o outro com o olhar da igualdade |
Esse afastamento pode também ser uma consequência de relações psicológicas e culturais que vão se desenvolvendo com o passar dos anos, mas é acima de tudo um afastamento não reflexivo de si mesmo. Não tenho a pretensão de postular o problema como sendo desta ou daquela natureza, quero apenas apresentá-lo como um problema existente e não teórico.
Como este é um problema existente precisamos então de um método no sentido grego de um sistema, caminho pelo qual podemos superar e nos reencontrar. Esse método, como já disse no título, é uma conversão, pois precisamos retornar a uma percepção do homem que deixamos se perder no decorrer do tempo. Para isso, ouso apontar três degraus iniciais da caminhada:
Reconhecer-se como pessoa humana pertencente a um grupo estabelecido de outros homens. Você não é um ser isolado no mundo.
Percebendo-se participante de um grupo, reconhecer que todos, apesar das particularidades partilham da mesma natureza. Ou seja, em sua essência são iguais.
Passar a agir, com os membros do grupo e com os demais membros – extrapolando os limites do seu circulo social – com o olhar da dignidade. Por mais diferente, excluído, repulsivo que o outro seja, ele tem a mesma dignidade que você. É necessário passar a olhar o outro com o olhar da igualdade – um exercício da superação da escala de importâncias e valores que criamos.
Estes três passos podem parecer simples em sua estrutura argumentativa, porém são árduos em questões práticas, pois estamos profundamente enraizados em uma cultura que caminha contrária a estes postulados. Tais direcionamentos não pretendem anular as diferenças e funções dentro da sociedade como, por exemplo, entre professores e estudantes, o gerente e a sua equipe, dentre outros casos. Ao contrário, eles destacam que mesmo com essas diferenças o que mais importa é a dignidade humana em sua máxima expressão, ou seja: essas relações não podem ultrapassar a relação de homem com seu igual.
Esse é apenas o primeiro passo para uma extensa caminhada de retomada da autenticidade do homem e da reconciliação consigo mesmo. O homem é um mistério complexo, mas cada um de nós tem um desses exemplares para poder, por meio do autoconhecimento, desbravar.
Daniel Couto
Graduado em Filosofia pela UFMG