Convido você, leitor, a se colocar por alguns instantes diante do olhar de Jesus. Aqui escolhi propor uma simples, mas profunda reflexão a partir do olhar de Jesus no caminho para Jerusalém e mostrar a relevante incidência desse olhar no caminho de saída, conversão que o tempo quaresmal apresenta a todos os que desejam fazer a experiência do encontro com Jesus.
É possível que você já tenha experimentado ao longo de sua vida, ser olhado por alguém, ou que algum olhar em determinado lugar ou situação tenha tocado seu coração, tenha iluminado seus olhos ou, talvez, tenha permitido viver momentos de constrangimento, angústia e decepção.
Pensar no olhar de Jesus, nas estradas de Jerusalém, é dar ao tempo quaresmal profundo e intenso significado. É deixar-se contagiar por um itinerário de seguimento, de novidade e de vigilância orante. No caminho, muitas pessoas identificaram o chamado de Jesus e responderam a este chamado seguindo-o.
Após a firme decisão de ir para Jerusalém, Jesus encontra e se deixa encontrar nas diferentes realidades e encruzilhadas do percurso. A cada encontro o Senhor busca estabelecer relação com a criatura amada. Ele olha e seu olhar revela amor, compaixão e misericórdia.
Alguns olhares chamam a atenção, incrível pensar que a dinâmica do olhar nas estradas de Jerusalém envolve e provoca encontro, saída. Jesus é capaz de romper também os esquemas enfadonhos dos que pretendiam aprisioná-lo, e surpreende-os com a sua constante novidade, com o frescor do amor desmedido.
O olhar de Jesus está essencialmente relacionado com o processo de conversão que cada cristão é conclamado a percorrer para revelar o rosto de uma Igreja em saída, o rosto de uma Igreja samaritana |
É um olhar renovado que proporciona, aos caídos à beira do caminho, nova esperança, alegria, ainda que silenciosa, e fecundidade vital. Na realidade, o centro e a essência de cada encontro estabelecido por Jesus é o seu olhar de misericórdia, de ternura. “Ele o olhou com amor (Mc10, 21)”. Jesus continua olhando com ternura e amor para todos nós e nos chama para uma missão. Você já pensou qual é a sua vocação neste mundo?
A verdadeira novidade que o olhar de Jesus provoca em Jerusalém é aquela que deve orientar e acompanhar a vida de cada ser humano. Em todo momento, o peregrino que se coloca a caminho deve manifestar que a iniciativa pertence a Cristo, “porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4,19). É essa certeza que permite manter a alegria e a esperança nos exigentes e desafiadores caminhos da nova Jerusalém.
A Nova Jerusalém, a cidade santa (cf. Ap 21,2-4), é a meta para onde peregrina toda a humanidade. É interessante que a revelação nos diga que a plenitude da humanidade e da história se realiza em uma cidade. Precisamos identificar a cidade a partir de um olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças. A presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efetuam para encontrar apoio e sentido para sua via (EG, 71).
O olhar de Jesus refulge sempre sobre o horizonte da memória agradecida. Os apóstolos nunca mais esqueceram este olhar, este encontro que lhes tocou o coração: “Eram às quatro horas da tarde”(Jo 1, 39).
O caminho de Jerusalém pode ser descrito como o êxodo pelas veredas da história. O olhar misericordioso do Mestre desencadeia provocações em contínuo processo, desperta situações novas. Uma mulher que assistia à passagem de Jesus se comoveu ao ver a cena e decide limpar a sua face manchada de sangue. No pano usado por Verônica ficou gravado o rosto de Jesus. É o encontro da vontade do Pai e as paixões gritadas pela humanidade.
Por fim, o olhar de Jesus está essencialmente relacionado com o processo de conversão que cada cristão é conclamado a percorrer para revelar o rosto de uma Igreja em saída, o rosto de uma Igreja samaritana. É o lugar misterioso do abaixar-se de Deus sobre a história humana, para nascer a admiração e a alegria que preenchem a vida de sentido, de luz e encontra a plenitude na entrega ao Pai.
No âmbito desse caminho, em atitude de peregrinação, coloca-se cada consagrado(a), que neste ano é convocado pela Igreja a perscrutar caminhos de esperança, a descobrir sinais novos, a procurar vigilante pelos caminhos da Jerusalém social, cultural, lugares onde se encontram muitos irmãos e irmãs carregando a cruz existencial, vivenciando experiências de deserto, onde toca, no silêncio e na solidão, a verdadeira imagem de si mesmo, a própria fragilidade e miséria. Nessa estrada, o olhar de Jesus continua sendo o único e seguro horizonte.
Convidado a desenvolver a sensibilidade espiritual do olhar, o consagrado (a) se coloca frente à realidade com o coração compassivo, capaz de regenerar esperança, confiança e reconhecer os sinais de Deus. Assim recorda o Papa Francisco no discurso aos Bispos da Conferência Episcopal de Madagáscar, 2014 : “Convido-vos a nunca duvidar do dinamismo do Evangelho nem da sua capacidade de converter os corações para Cristo ressuscitado, e de conduzir as pessoas ao longo do caminho da salvação que esperam no mais profundo de si mesmas”.
Que o tempo quaresmal seja de fato tempo e espaço para viver o seguimento, deixar-se conduzir pelo Espírito, para proclamar o amor desmedido. Momento forte de viver com fidelidade criativa e operosa a experiência de uma renovada alegria. Alegria que nasce da busca de horizontes novos, que oferece um olhar de conversão e a possibilidade de encontrar com os muitos olhares do Cristo que se apresenta no hoje da história, trazendo as marcas das “Jerusaléns sociais”.
Que todas nós consagradas(os) possamos com alegria dar testemunho da nossa vocação e, assim, encorajar outras e outros jovens a dar o seu sim a Deus; a não ter medo de deixarem-se olhar por Jesus e colocarem-se no caminho com Ele.
Eliamar Florência da Silva
Irmãs Sacramentinas de Bérgamo