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O Natal como sacramento da regeneração

Seria necessário aqui relembrar que o Natal do Senhor não é mera comemoração de seu aniversário? É verdade que Santo Agostinho fala, ao menos por duas vezes, do “aniversário do Natal de nosso Salvador.” Entretanto, o tom de seu discurso a respeito dessa solenidade exige pensarmos sobre as consequências do acontecimento rememorado. Ele afirma que o dia do Natal é santificado pelo evento celebrado. Em um sermão, ainda sobre o Natal, ele afirma:

“O Evangelho não diz: ‘a carne se fez Palavra’, mas: ‘a Palavra se fez carne’. (…) Aqueles que era Filho de Deus, para nascer da Virgem Maria fez-Se filho do homem, assumindo a forma de servo. Continuou a ser o que era e assumiu o que não era. Nasceu do Pai, sem dia temporal, nasceu da mãe no dia de hoje (…). O Dia que marca o início do crescimento dos dias é símbolo da obra de Cristo, pelo qual o nosso homem interior se renova dia após dia…”

 

A Natividade do Senhor faz-se, então, festa da Luz, porque o Sol nascente vence a noite e assim, a humanidade inteira pode alegrar-se pelo raiar do Dia Eterno

Nota-se, com clareza, que a questão é posta em relação ao significado desse acontecimento que, embora datável no passado, ao ser lembrado no presente da comunidade celebrante, lhe concede lugar de honra diante de Deus e do mundo. O Natal do Senhor é ocasião para Agostinho afirmar que esse dia é santificado pelo evento comemorado: “santificador do dia de hoje, desde o seio da mãe…; inefavelmente sábio e sabiamente mudo; enche o mundo e jaz num presépio; governa os astros e toma o peito materno; tão grande na forma de Deus como pequeno na forma de servo…”

 

Para o bispo de Hipona, portanto, o “dia de hoje leva-nos ao dia eterno”. Este dia é o próprio Cristo, pois Ele “ao nascer da Virgem, tornou sagrado o dia de hoje.” Cristo é celebrado no Natal como o amanhecer de Deus para o mundo, segundo a teopoética, diríamos, de Agostinho. A Natividade do Senhor faz-se, então, festa da Luz, porque o Sol nascente vence a noite e assim, a humanidade inteira pode alegrar-se pelo raiar do Dia Eterno.

Seguindo essa compreensão de sabor agostiniano, vale a pena verificar como a Liturgia realiza, no corpo dos fiéis em festa, essa teologia.  Pensemos no tempo do Advento, durante o qual se agregou, à pratica celebrativa de inúmeras comunidades do mundo inteiro, o costume de acendermos a Coroa do Advento. A progressão da luz, pedagogicamente inculcada no acender gradual da primeira à quarta vela, alude a este processo longe do raiar do Sol desde o tempo da promessa até a ocasião do cumprimento.

A Coroa do Advento sinaliza simbolicamente para os fiéis aquilo que o Antigo e o Novo Testamento testemunham: que a única Luz, o Filho, raiz e razão do tempo, irrompeu na história humana desde época remotas até o momento crucial de sua manifestação plena na encarnação.

Antônio Alcade cita em seu “Canto e Música Liturgica” (Paulinas: 1998, p.107) uma breve poesia para o acendimento da Coroa que diz: “Vigilantes acendemos / a coroa do Advento. / Nos círios oferecemos / quatro etapas de um encontro.” Sim, trata-se de um único encontro: Deus com a humanidade, o Dia Eterno com o Tempo, o Céu com a Terra, o Espírito desposando a carne. É isto que celebramos no Natal, cujo Advento nos orienta os sentidos.



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