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[Artigo] O Missal de Paulo VI e a recepção simbólica do Concílio-Padre Márcio Pimentel, Paróquia São Sebastião e São Vicente

Costuma-se afirmar que a Liturgia é o fruto mais maduro do Concílio Vaticano II. De fato, o longo processo do Movimento Litúrgico exigia que a Igreja revisse seus rituais e, sobretudo, recuperasse o sentido teológico, pastoral e espiritual do culto cristão. Assim, a Constituição De Sacra Liturgia, se ocupará, primeiramente, de nos oferecer uma narrativa da obra salvífica do Pai cumprindo-se na entrega filial de Jesus e prologando-se na vida da Igreja, em especial, pelas celebrações litúrgicas. Incrementar a Liturgia significava – no contexto conciliar – acrescer seu valor para a existência cristã, dizendo-a fundamental. Desse modo, aquilo que auspiciava dom Lambert Beauduim em 1909 via-se reconhecido formal e oficialmente por um Concílio Ecumênico.

De certo modo, a Liturgia funcionou como caminho para a recepção do Concílio Vaticano II. Uma vez que ela realiza a Igreja explicitamente, aquilo que se intuía sobre a renovação da Igreja que os documentos conciliares estabeleciam e propunham, podia ser contemplado nos ritos reformados. Não se trata da inversão do axioma da lex orandi lex credendi. As coisas funcionaram assim porque, de fato, esta é a natureza da Liturgia: fazer-nos partícipes do Mistério Pascal de Jesus, o que se opera na carne dos crentes, membros da Igreja. A Liturgia não funcionou como “cabide” para as decisões do
Concílio, mas era  e continua sendo sua manifestação mais evidente. Por essa razão, justifica-se o cuidado de Paulo VI em não permitir que se celebrasse a Missa piana.

O Concílio Vaticano quis renovar a Igreja. Nas palavras de São João XXIII, tratava-se de uma “nova epifania” antes mesmo de considerar-se um novo pentecostes[1]. Ainda, conforme suas palavras, era preciso compreender que “a ordem das coisas divinas se relaciona e repercute de maneira eficaz na esfera das coisas humanas”[2], de modo que a Igreja pudesse ter diante da vida uma palavra qualificada e qualificadora[3]. Em sua mensagem radiofônica a todos os fiéis, São João XXIII deixava claro que o Concílio prolongava o simbolismo do Círio Pascal que, qual lumen Christi, deveria iluminar a Igreja (lumen Ecclesiae) para iluminar o mundo (lumen gentium), de modo que ele significava o renovar-se do “encontro de Cristo Ressuscitado, Rei glorioso e imortal, irradiando por intermédio da Igreja, salvação, alegria e esplendor sobre todo o gênero humano.”[4]. E, finalmente, ao abrir o Concílio, diz que o “Concílio deverá cuidar sobretudo de conservar e propor de maneira mais eficaz (grifo nosso) o depósito da santa doutrina.”[5] Para ele, isso significava “além de conservar os preciosos tesouros do passado”, continuar o caminho, de maneira a expressar a mesma doutrina “de acordo com as exigências da atualidade.”[6]

Os membros do Concílio captaram tão bem estas intuições e desejos de São João XXIII, que, ao enviarem uma mensagem endereçada à toda humanidade por ocasião da 3ª reunião geral, disseram taxativamente:

Sob a conduta do Espírito Santo, queremos descobrir, nesta reunião, o que fazer para nos renovarmos, tornando-nos cada dia mais fiéis ao Evangelho de Cristo e procurando como exprimir a verdade de Deus, íntegra e pura, para que os seres humanos e hoje a entendam e acolham com liberdade[7].

Exatamente nesta terceira reunião geral, os padres conciliares elegeram os membros da Comissão Litúrgica, enriquecida pelas nomeações do próprio Papa. A função desse grupo de trabalho era rever e emendar a Constituição sobre a Liturgia com base nas intervenções dos membros do Concílio.  As discussões sobre a Liturgia começaram – efetivamente – dia 22 de outubro e duraram até do dia 13 de novembro de 1962. Sobre a reforma do Ordo Missae, especificamente falando, foram diversas intervenções. Algumas, na direção de não mexer na missa, porque se trataria de um atentado à sua santidade (Card. Ottaviani), ou de uma iniciativa nula e ineficaz devido à superioridade, antiguidade  do rito romano (Dom Saboia Bandeira, bispo brasileiro). Outros, porém, desejavam que os fiéis fossem reabilitados à participação efetiva na celebração eucarística (dom Paul John Hallinan, Atlanta). O resultado, como sabemos, foi um novo Ordo Missae. Claro, trata-se de um princípio evangélico “odres novos, para vinho novo”.

 

[1] Cf. JOÃO XXIII. Exortação apostólica ‘Sacrae Laudis”. http://w2.vatican.va/content/john-xxiii/pt/apost_exhortations/documents/hf_j-xxiii_exh_19620106_sacrae-laudis.html.Acesso em 09 de novembro de 2017.

[2] Cf. JOÃO XXIII. Constituição Apostólica ‘Humanae Salutis’. In. Vaticano II. Mensagens, discursos, documentos. São Paulo: Paulinas, 1998 (3ª reimpressão à 2ª edição: 2013), p. 15.

[3] Idem, p. 15

[4] Idem, p. 25

[5] JOÃO XXIII. Discurso do Papa João XXIII ‘Gaudet et Magistra’. In. Vaticano II. Mensagens, discursos, documentos, p. 30.

[6] Idem, p. 32.

[7] Mensagem enviada à humanidade pelos membros do Concílio Ecumênico Vaticano II. In. In. Vaticano II. Mensagens, discursos, documentos, p. 35.

 

 

 

 

 

 

Padre Márcio Pimentel é especialista em Liturgia pela PUC-SP e mestrando
em Teologia na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (Faje / Capes)
Paróquia São Sebastião e São Vicente



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