O evangelho de Marcos, na narrativa da paixão exige o título messiânico – Christós – numa crítica irônica à condição mortal de Jesus: “Se tu és o Messias…” Os outros sinóticos trazem como paralelo o uso do termo Rei para esta passagem, embora Mateus empregue Christós também ironicamente, pondo-o na boca dos adversários de Jesus no contexto do julgamento religioso e também político. Em Lucas, na cena dos dois julgamentos aprece o título Christós, sendo que a denúncia do Sinédrio a Pilatos o põe claramente articulado com a perspectiva da realeza. O que isso significa?
Todos estes textos parecem por em evidência o ridículo que seria chamar a Jesus de Messias e atribuir-lhe qualquer papel régio diante de Israel e dos outros povos. Sua condição de réu de morte destoa desta perspectiva. Mas as antigas fórmulas litúrgicas pressupõem que o crucificado e ressuscitado Jesus é Senhor e Cristo. São aclamações que estão, na Igreja primitiva, na boca dos fiéis e foram recolhidas nas epistolas paulinas. Há discussões acadêmicas sérias sobre se o termo Christós aqui aplicado a Jesus apareceria como sinônimo do título messiânico ou apenas como referência nominal aquele em quem se dá o acontecimento da salvação. De todos os modos, sendo título ou nome, tanto nas comunidades de origem palestina quanto nas igrejas helênicas a palavra se mantém, seja com o significado de Messias esperado, conforme a promessa israelita (=título), seja como nome ou segundo nome de Jesus.
Para Joseph Moingt, é no contexto do julgamento e morte de cruz que poderemos compreender a qualidade messiânica de Jesus. Neste sentido, é bom lembrar a impostação teológica que a Sacrosanctum Concilium traz ao condensar o itinerário de Jesus, fundamentando a reforma dos ritos que se dará nos anos seguintes. Ao apresentar o conteúdo axial das celebrações da Igreja, os padres conciliares não recorrem a um conceito dogmático, mas percorrem uma narrativa. Nesta, dentre outros nomes, o chama a Jesus de Ungido pelo Espírito numa citação indireta de Lucas 4. Aqui, Christós aparece com o uso explicitamente titular. Jesus é o Messias esperado, pois ele cumpre tudo quanto Deus à humanidade prometeu. Isto o faz mediante seu Mistério Pascal, ou seja, dando-nos a vida, mais especificamente, sua vida pela morte de cruz e ressurreição de modo que a própria Igreja nasce deste acontecimento central da fé. Tudo que a Liturgia celebra deve conduzir à participação neste Mistério que nos é dado a conhecer em Jesus, o Cristo e Senhor de todos.
O momento do julgamento e da cruz são reveladores da tipologia messiânica que o próprio Jesus adota, ainda que não tenha – certamente – reivindicado este título. E é aqui que Deus em seu Cristo supera as expectativas, frustrando-as: “Esperávamos que ele fosse libertar a Israel”, ouvimos de um dos discípulos de Emaús. O messianismo de Jesus não é de corte estritamente político, ainda que traga sérias consequências neste âmbito, pois há um Governo por Ele anunciado até o fim de sua trajetória histórica: o Reino de Deus. Mas também não é um messianismo estritamente religioso. Não nos moldes religiosos com os quais Israel estava ajustado. Jesus cumpre, completa em si mesmo a promessa, mas certamente acrescenta. Jesus não repete o antigo, mas dá-lhe sua própria versão, faz ele mesmo sua exegese, sua hermenêutica. Há uma novidade aqui a ser colhida, há uma relação com o mundo, com as pessoas que os esquemas políticos e religiosos costumam deixar de lado, obliterados por seus interesses próprios. Conforme o mesmo Moingt afirma: “Jesus afirma muito cedo a mudança que surgiria no regime da salvação” , ampliando o alcance de sua atuação como Messias para além dos limites de Israel e de sua legislação política e religiosa. E o povo para o qual Jesus foi enviado como Messias aguardava esta irrupção do Divino, de maneira radical, ainda que isso contradissesse o senso da aristocracia religiosa e dos chefes que ocupavam o poder na época. E é o julgamento e a cruz quem deixa às claras tudo isso, apontando, assim, o significado mais profundo da gestualidade e das palavras de Jesus.
A Liturgia, portanto, interpretará a cruz como sinal messiânico. O fracasso de Jesus perante os seres humanos é a vitória de Deus. Este aparente paradoxo é resolvido somente se compreendermos a execução de Jesus de Nazaré no âmbito do programa de sua vida de enviado do Pai para anunciar seu extremo amor pela criação inteira, em especial pelo gênero humano. Aqui a teologia joanina é clara: amou tanto o mundo que enviou o seu Filho único. Enviou-o como Messias, como Ungido com seu Espírito de modo que pode derramar a filiação sobre as cabeças daqueles que decidirem segui-lo, ao reconhecê-lo como o Cristo de Deus.