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O exercício espiritual da caridade

 

A palavra esmola evoca a miséria encontrada nas nossas cidades e a tristeza de quem precisa mendigar migalhas para sobreviver. Mas, na Quaresma, esmola é um exercício espiritual.

Os cristãos, muito cedo, como herdeiros do judaísmo, passaram a usar essa  prática como forma de viver sua fé. Na espiritualidade sabática dos judeus (Ex 23, 11), o sétimo ano serve de repouso para a terra e de partilha de seus bens com os pobres
e, ainda,  para saciar a fome dos animais. Dar a quem precisa não é escolha, é exigência do crer e uma forma de corrigir desigualdades sociais. Lembra,  tamb ém ao  povo o dever de ser  solidário com os mais sofridos por razões de sua própria história de sofrimentos (Dt 24, 19-22).

Para compreensão religiosa judaica, o ter impõe a obrigação moral de ajudar os necessitados (Pr 3, 27-28). Ao judeu não é possível esquivar-se do direito sagrado, reservado aos pobres, de serem satisfeitos em suas urgências vitais. Não será diferente para os cristãos. As prédicas de João Batista no deserto  a espera do Messias são exemplo da partilha como espiritualidade. O asceta do deserto, para preparar a chegada do Senhor, exortava seus ouvintes ao arrependimento, à eliminação do egoísmo e à divisão dos bens (Lc 3, 10-11).

 Ora, o terreno adequado para a chegada de Deus na vida de cada pessoa pede amor ao semelhante. O evangelista Mateus exibirá a radicalidade desse princípio quando ao descrever o juízo final porá como critério de salvação as obras de misericórdia para com  o Senhor Jesus, identificado com os desvalidos da sociedade (Mt 25, 31-46).
 

O sentido quaresmal da esmola conclama o convertido a transformar a sociedade, no empenho pela justiça como contribuição para que todos tenham o que lhe é devido

 A carta de Tiago condicionará a autenticidade da vida cristã e sua espiritualidade ao cuidado com os mais frágeis da comunidade: “Se a um irmão ou irmã faltarem roupas e o alimento cotidiano e algum de vós lhe disser: ‘Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos’, mas não lhe der o necessário para o corpo, de que lhe aproveitará? Assim também a fé: se não tiver obras é morta em si mesma” (Tg 2, 16-17). O cristianismo sem atenção à imagem de Deus desfigurada no próximo é estéril, tal é a conclusão a que se pode chegar diante da escritura.

Por isso, a esmola como exercício quaresmal não é sobra que se dá nas esquinas, como remendo à má consciência que tenta isentar-se da responsabilidade com a desigualdade. Não é um gesto para se exercer em tempos determinados. Não se confunde com impostos devidos. Esse exercício para conversão é caridade exercida em prol do outro no âmbito individual e social, que faz parte integrante da espiritualidade cristã não como adendo, mas como elemento sem o qual a fé seria força alienante.

 O sentido quaresmal da esmola conclama o convertido a transformar a sociedade no empenho pela justiça como contribuição para que todos tenham o que lhe é devido, na perspectiva global do anúncio do Reino de Deus, que é vida em abundância para todos (Jo, 10, 10).Portanto, a esmola não é, no sentido da nossa fé, algo dado com olhar soberbo, de cima para baixo. É um ato da fé. É prática exercida em harmonia com o todo da fé e da experiência cristã. Nasce da caridade como compaixão por quem sofre. Dentro da perspectiva da espiritualidade do seguimento de Jesus, é um voltar-se para o outro, que nos relaciona com ele, que não nos deixa cair nos superficialismo de um dar que nos distancia da pessoa sofrida, como se já tivéssemos feito tudo o que devíamos fazer. Como ato amoroso, em nós deveria transformar o coração de pedra em coração de carne, que muitas vezes sangra pelo sofrimento alheio, agora também nosso.

 

Pe. Magno Marciete do Nascimento Oliveira
Comissão Arquidiocesana de Catequese de BH



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