J.D.Vital*
Pelo terceiro ano consecutivo desde que assumiu o cargo máximo da Igreja Católica, o Papa Francisco é indicado ao Prêmio Nobel da Paz, desta vez por estimular a justiça social e os cuidados com o meio ambiente. Se vencer, levará para o Vaticano um cheque no valor de US$ 1,2 milhão. “Torço por ele” – disse na madrugada de 3 de fevereiro a apresentadora do telejornal Hora 1 da TV Globo, Monalisa Perrone. Segundo a jornalista, Papa Francisco destaca-se como exemplo de tolerância e combate a preconceitos.
Cleonice Cândido, 57 anos de idade, três filhos, há 20 anos trabalhando como faxineira no Tribunal Regional do Trabalho em Belo Horizonte, declara-se fã do argentino e identifica-se com ele: “O que eu penso, ele fala”.
Separada, ela continua cuidado do ex-marido, que faz hemodiálise. Diz que o Papa Francisco “fala as coisas da vida; ele solta a verdade para fora”. Sem citar a reação de quem não gostou de vê-lo pregar o respeito à religião e à fé das pessoas, no caso da tragédia francesa do Charlie Hebdo, ela pontifica: “A verdade dói”.
Pode ser que o Instituto Norueguês do Nobel anuncie outro ganhador em outubro, frustrando muita gente no Brasil e no mundo. Isso aconteceu em 2003, quando João Paulo II, favorito na banca das apostas, perdeu a indicação para a advogada iraniana Shirin Ebadi, uma desconhecida defensora dos direitos humanos entre os aiatolás.
Na época, comentou-se em Oslo que os noruegueses, de maioria luterana, não apreciavam as ideias conservadoras do Papa polonês sobre família, controle da natalidade e aborto, embora reconhecessem sua contribuição para a queda da cortina de ferro.
Não é que Francisco tenha abandonado o catecismo de seus antecessores. A diferença é que o “Papa Bergoglio reaproximou a Igreja do mundo real”, observa o ex-deputado federal e ex-ministro Roberto Brant. Quando a fumaça branca da Capela Sistina anunciou o Papa que veio do fim do mundo, o jornalista e escritor argentino Pedro Brieger enviou-me e-mail com os sites dos jornais Clarín e Página 12. Ali, explicou, sem comentários, tudo poderia ser encontrado sobre o cardeal Jorge Mario Bergoglio, o arcebispo de Buenos Aires.
As notícias assustavam. Grupos de direitos humanos o acusavam de conivência com a ditadura militar. O Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel, porém, rebatia: “Não acredito que ele tenha sido cúmplice”. Representantes de sociedade pró-direitos gays, lésbicas, bissexuais e trans repudiaram sua escolha. Previam seu insucesso.
Três anos passados, Francisco deu a volta por cima. Tornou-se o Papa da compaixão. Não condena os homossexuais. Destitui um bispo paraguaio que fora tolerante com um padre pedófilo argentino: tolerância zero com sacerdotes que molestam crianças. Defende mães solteiras e repreende os padres que se recusam a batizar os filhos delas.
Para horror de muitos, usa de imagens simples – “não é preciso procriar como coelhos” – para reafirmar a doutrina da paternidade responsável. Na Quinta-feira Santa, vai à prisão romana de Casal del Marmo e lava os pés de jovens delinquentes, dentre eles, duas moças, uma delas, muçulmana.
Na política internacional, surpreende o mundo com sua atuação diplomática histórica, que não derruba regimes, mas reaproxima americanos e cubanos, após 50 anos de distanciamento e embargo econômico.
No plano interno, persegue com obstinação de jesuíta a reforma da Cúria Romana, a recuperação do prestígio moral e das finanças do Vaticano, abalados por noticiários na mídia. Diante de cardeais e arcebispos, Francisco catalogou 15 doenças que acometem a cúpula da Santa Sé: a fofoca, a murmuração, a rivalidade e a vanglória, além de outros pecados como o exibicionismo e a obsessão por bens materiais.
A um brasileiro pediu, recentemente, orações para que possa continuar a fazer o que precisa ser feito na desconstrução de uma corte viciada, que, segundo se fala em Roma, teria sido causa de desgosto e da renúncia de Bento XVI.
Talvez seja hora de voltar a rezar em latim, após a bênção do Santíssimo, como antigamente nas igrejas barrocas mineiras, pela saúde do Pontífice e sua proteção contra os inimigos: “Oremus pro Pontifice nostro Francisco. Dominus conservet eum, et vivificet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius”
*JD Vital é jornalista, seu artigo foi originalmente publicado no jornal Estado de Minas, edição de sábado, 28 de fevereiro.