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O encanto da Quinta-feira Santa

 

 

O Tríduo Pascal tem início com a Missa da Ceia do Senhor, que celebra três mistérios: a consignação do Mandamento do Amor, a instituição da Eucaristia e do Sacerdócio1. Segundo os evangelhos sinóticos e a primeira Carta de Paulo aos Coríntios (2ª leitura), Jesus antecipa sua entrega na cruz realizando uma ceia com os seus amigos. Ao tomar o pão e o cálice com vinho, ele vincula esses dons com sua entrega voluntária pela salvação de todos: pão partido – corpo entregue, vinho distribuído – sangue derramado. Fazendo assim, Jesus usa uma linguagem simbólica para comunicar o caráter voluntário de sua morte. A ligação não é arbitrária, mas simbólico-sacramental. O pão e o vinho guardam identidade com a morte e a ressurreição de Jesus. São alimentos básicos, nutrem a vida. Estão na ordem do essencial: pão quotidiano e vinho que alegra o coração. Por sua vez, corpo e sangue tem o sentido de vida inteira.

 

Mas o evangelho proclamado na liturgia da missa noturna narra o chamado lava-pés. Jesus assume o lugar do Servo, lava os pés dos discípulos e lhes deixa um testamento: façam o mesmo que eu fiz! Isto é, entreguem as suas vidas do mesmo modo como lavei-lhes os pés. Lá, os sinais sacramentais eram pão e vinho, aqui, o gesto profético de lavar os pés dos seus seguidores.

 

Importa fazer o devido trânsito: do culto para a vida e da vida para o culto. Não há Eucaristia e sacerdócio cristão sem lava-pés. Em sentido cristão, lava-pés há de receber significado na Eucaristia

A inversão social remete para a inversão teológica: ao se inclinar e servir a  humanidade na pessoa de seu Filho, Deus cultua o seu povo. Aqui temos a diferença fundamental da liturgia cristã: nosso culto não é um ato voluntário, espontâneo ou meritório de culto a Deus. É a participação no culto instituído por Cristo, que no lava-pés e na cruz, se faz Servo de todos. Mas ao lavar os pés, torna os discípulos senhores. Ao rebaixamento de Cristo, corresponde a exaltação da humanidade.

 

Daqui se entende a Eucaristia, o sacerdócio e o mandamento do amor: serviços de Deus ao mundo, ao qual cada cristão é chamado a tomar parte. Na Eucaristia, fazemos a memória da entrega de Cristo na celebração. No sacerdócio (ministerial e universal dos fiéis) o sentido memorial se transporta da celebração para a existência, o culto verdadeiro tem um lastro celebrativo e ritual; na consignação do mandamento do amor, o âmago da experiência cristã: amar como Cristo!

Como grande pórtico do Tríduo Pascal, a missa da ceia do Senhor nos introduz no “núcleo semântico” da páscoa, em outras palavras, no miolo do significado da morte e da ressurreição do Cristo. De Cristo a nós, pela Eucaristia, pelo sacerdócio, pela prática do amor. Importa, contudo, fazer o devido trânsito: do culto para a vida e da vida para o culto. Não há Eucaristia e sacerdócio cristão sem lava-pés. Lava-pés, em sentido cristão, há de receber significado na Eucaristia. Boa Quinta-feira Santa!

  1 Cf. rubrica do Missal Romano, p. 248.

Pe Danilo César

Liturgista



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