Na edição anterior, recordamos a tríplice vinda do Senhor, observando que entre a primeira e a última há uma vinda intermediária (…) Essa vinda é, portanto, caminho que conduz da primeira à última conforme diz o próprio Senhor: Se alguém me ama, guardará minha palavra, e o meu Pai o amará e nós viremos a Ele (cf. Jo 14,23). Lê-se, também noutro lugar: Quem teme a Deus faz o bem (Eclo 15,1) (…) Se guardares a Palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá aí o Filho em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as coisas. Graças a essa vinda, como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste (1Cor 15,49).
Tranquilamente, é-nos possível reconhecer que essa “vinda intermediária” se dá no tempo presente, sobretudo e especialmente nas ações litúrgicas, nas quais o Senhor se faz presente na sua Igreja.[9] É uma vinda “sacramental”, portanto. A Celebração Eucarística, em particular, revela e articula a teologia da tríplice vinda: narra-se o evento da Salvação que se deu em Jesus de Nazaré, acolhe-se mediante a proclamação deste evento sua presença no “hoje litúrgico” e por fim, postamo-nos em atitude de espera por sua manifestação futura e última: “Toda vez que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor a vossa morte enquanto esperamos a vossa vinda.”[10]
Ciclo do Natal põe em destaque a figura de Maria. Mãe da Ternura, que tudo ponderava à luz da Palavra, buscando reconhecer aquilo que se realizava ao seu redor como cumprimento da vontade do Senhor |
Para nós, é importante ainda, em decorrência destas questões teológico-litúrgicas, reconhecer algumas consequências que se dão no âmbito da espiritualidade. Desde modo, a seguir, apontamos alguns elementos aos quais a Pastoral Litúrgica deverá estar atenta neste Ciclo:
1. O Ciclo do Natal é ocasião para que observemos dois fenômenos tipicamente antropológicos e de grande alcance psicológico: a experiência da expectativa e da frustração.
2. O Ciclo do Natal oferece, por meio dos textos bíblicos e eucológicos, bem como mediante sua hinologia e antifonário a imagem de Deus coerente com o Evangelho.
3. O Ciclo do Natal, em especial o Tempo do Natal, faz reverberar no coração humano o desejo de “voltar ao paraíso”. É uma viagem às nossas origens. Ao mesmo tempo, especial o Tempo do Advento, orienta nossa vida para o futuro possível do Reino de Deus. Configuram nosso destino ao de Cristo Jesus reconhecendo nEle a maturidade humana para qual tendemos todos. Nas palavras de Santo Irineu, no século III: “Este jardim (Éden) era belo e bom: o Verbo de Deus passeava ali constantemente e entretinha-se com o ser humano, prefigurando as coisas futuras, a saber, que seria o seu companheiro de habitação, falaria com ele, e estaria com os seres humanos…”
4. O Ciclo do Natal, em especial a partir do quarto domingo do Advento e/ou do dia 17 de dezembro, faz-nos percebermo-nos membros da História da Salvação, ao narrar o mergulho de Deus em nossa natureza humana, tornando-a caminho de divinização ou santificação.
5. O Ciclo do Natal está repleto de personagens “arquetípicos”, que servem de modelo para a experiência da fé. Seguindo as intuições de Gianfranco Ravasi, para o Ano A citamos: Jacó, que viu o Senhor frente a frente, num encontro dramático que culmina no desvelar de sua identidade mais profunda: Israel, aquele que brigou com o Senhor, num misto de tensão e gloria; choque e aproximação; Lamec, que indica a antítese humana do sonho de Deus expresso pelo profeta Isaías na primeira leitura do segundo domingo do advento; Isaías, homem que porta uma palavra doce, terna, mas ao mesmo tempo severa e cortante; Acaz, que incorpora a incredulidade e a incoerência com o próprio nome: “o Senhor o tomou com força para guiar, para proteger.”
6. Por fim, o Ciclo do Natal põe em destaque a figura de Maria da Nazaré. Mãe da Ternura, mulher que tudo ponderava à luz da Palavra de Deus, buscando reconhecer aquilo que se realizava ao seu redor como cumprimento da vontade do Senhor, conforme nos fala São Beda, no século VIII.
Pe. Márcio Pimentel
Liturgista
[10] Aclamação memorial das Orações Eucarísticas do Rito Romano.