Breve percurso do discipulado no Evangelho de Marcos
As Escrituras há tempo nos alertavam que os caminhos de Deus não são os nossos (Is 55,8); seus critérios e maneiras de conduzir as coisas nem sempre coincidem conosco. O caminho do discipulado será um longo processo para entender essa verdade.
Colocar-se no caminho de Jesus é antes de tudo um exercício de aprendizagem: ver o mundo e as pessoas com outros olhos, outros valores, e isso não se aprende de uma hora pra outra. No coração do discípulo deverá bater um coração que pulsa por servir, por querer erguer o outro, libertar-lhe de seus nós, que teimam em privar seus passos. Não há lugar para aparências estéreis, vaidades camufladas de pureza e retidão.
No entanto, encantar-se por Jesus não quer dizer segui-lo. Certamente muitos o viram pelas ruas, pelas frestas das janelas, mas não tiveram a coragem de se aproximar, pois o caminho da fé e do discipulado implica a ousadia de se apresentar: “Senhor, eis-me aqui”. ‘Mas como poderei seguir Jesus, se me vejo tão pequeno, fraco, pecador? Se ele exige que os seus se comprometam de corpo inteiro, acho que estou aquém de seus critérios’ – poderiam pensar muitos dos que veem o Senhor pela fresta.
É preciso aprender a não ser o primeiro a não querer ser servido (Mc 9,50; 10,36) Mais que as aparências, resta ser honesto consigo mesmo, reconhecer a grandeza e a beleza dos outros |
Ali está a beleza do seguimento: Jesus não chama os perfeitos, os prontos de plantão, os que se consideram intocáveis. Aliás, digamos honestamente, mesmo no conjunto dos Apóstolos não é raro encontrarmos exemplos de fraquezas, de incoerências, disputas internas e traições: (“Ainda que todos se escandalizem de ti, eu, porém, nunca!” (Mc 14,29) – disse Pedro, surpreendido pelo cantar do galo pouco depois).
O fato de Jesus conviver com pecadores, com pessoas com a vida nem um pouco certinha causou espanto e por vezes protestos de que “ele come com os publicamos e com gente de má vida” (Mc 2,16). Sua resposta estava clara, porque clara estava sua opção: “Os sãos não precisam de médico, mas os enfermos; não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mc 2,17).
É preciso aprender a não ser o primeiro a não querer ser servido (Mc 9,50; 10,36). Mais que as aparências, resta ser honesto consigo mesmo, reconhecer a grandeza e a beleza dos outros. “Guardai-vos dos escribas que gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças públicas e de sentar-se nas primeiras cadeiras nas sinagogas e nos primeiros lugares nos banquetes” (Mc 12,38-39).
Ao ver a sinceridade da pobre viúva, que dava duas moedas como oferta religiosa, Jesus a elogiou: “esta pobre viúva ofertou mais do que todos os que lançaram no cofre,
porque todos depositaram do que tinham em abundância; esta, porém, pôs, da sua indigência, tudo o que tinha para o seu sustento” (Mc 12,43-44). O importante para Jesus não era o valor econômico das moedas, mas o valor imenso daquele coração que se doava em sua pequenez.
Mais que fazer grandes coisas, é preciso se desfazer de tantas outras, renunciar aos nossos apegos e certezas e lançar-se no infinito de Deus. |
Mais uma vez, recordavam as Escrituras: “Esta verdade é por demais maravilhosa, é tão sublime que não posso compreendê-la” (Sl 138, 6), os discípulos foram aprendendo lentamente as propostas do Mestre. Por vezes, tiveram de ser chamados à atenção: “os seus corações estavam insensíveis” (Mc 6,52); “como é que ainda não entendeis?” (Mc 8, 21).
Decididamente, os discípulos de Jesus não eram irrepreensíveis, não eram personalidades irretocáveis, exemplo de coerência e retidão. Não. Mas – isso sim – eram homens e mulheres que estavam dispostos a corrigir a rota e a se colocar no caminho do Reino. Para isso, era necessário vencer o medo, superar as rixas internas (por que sempre há!). Mais que fazer grandes coisas, é preciso se desfazer de tantas outras, renunciar aos nossos apegos e certezas (“Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me” (Mc 8,34) e lançar-se no infinito de Deus. Arrancar as raízes da comodidade estável e se aventurar no mar, por vezes, revolto, mas certamente mais belo e encantador (“todo o que disser a este monte: Levanta-te e lança-te ao mar, se não duvidar no seu coração, mas acreditar que sucederá tudo o que disser, isso acontecerá” (Mc 11,23).
“O sal é uma boa coisa; mas se ele se tornar insosso, com que lhe restituireis o sabor? Tende sal em vós e vivei em paz uns com os outros” (Mc 9,50). É preciso dizer ‘não’ a uma vida sem sabor, sem sonhos, sem riscos. E se vierem as consequências negativas dessa escolha, e se nos perseguirem? Ora, o Senhor já nos tranquilizou: “sereis odiados por causa de meu nome. Mas o que perseverar até o fim será salvo” (Mc 13,13).
Queira Deus que possamos concluir: A esse Jesus dou conta de seguir, por que Ele me entende do jeito que sou, caminha comigo, me corrige quando necessário, e me indica uma vida plena pela frente, para todos.
Frei Oton Júnior, ofm
freioton@gmail.com
Professor de Teologia Moral no Instituto
Santo Tomás de Aquino e Centro Loyola, BH