Salta aos olhos o fato de que muitos moram na rua. Dois olhares se nos impõem: o socioanalítico e o da fé. O êxodo rural trouxe habitantes do campo para a cidade. E nenhuma estrutura social de acolhimento os esperava. Resultado: favelizaram-se ou acamparam nas ruas. E ali ficaram. Alguns já nasceram nessas condições precárias e, assim, lentamente, se acostumaram a viver.
Conflitos no interior da família levam jovens a abandonarem a própria casa ou até a serem expulsos dela pelos pais, indo parar na rua. Isso acontece, não raro, com meninas ou moças que terminam na prostituição, sem casa fixa.
A razão econômica pesa muito. Famílias que de repente por algum infortúnio perdem a casa, assumem dívidas insolvíveis. Resultado: abandonam a vida normal e vivem na rua sem precisar pagar imposto, água, luz. Outros, de repente, ficam desempregados. Não sabem como sustentar-se. Partem para a rua.
“Entram em jogo três responsabilidades. A maior afeta o Estado. Morar dignamente constitui-se direito básico para todos” |
Não faltam tipos associais. Alguma enfermidade mental torna impossível a vida deles em sociedade, na família. Não têm como pagar algum tratamento psíquico e lá se vão viver debaixo de algum viaduto.
Há casos de crianças e adolescentes que já não conseguem viver sem a liberdade de perambular pela cidade sem rumo, sem compromisso. Há todo tipo de gente a morar na rua, desde criança até velhos. Vivem do puro presente, no limite das necessidades imediatas de comida, roupa, um mínimo para dormir e defender-se das intempéries da natureza e dos perigos da noite. Ameaçam-nos doenças. Não têm futuro nem esperança fácil de mudança.
A violência de policiais e marginais os ronda. Humilha-os a sujeira sem roupa para trocar, nem lugar fácil para a higiene. Tornam-se vítimas fáceis das drogas e de bebidas alcoólicas como alívio para situação tão pesada. E isso lhes dificulta a reinserção na vida normal.
Assusta-nos o número. Só São Paulo, que lidera o número de moradores de rua, conta com perto de 15.000 pessoas nessa condição; em Belo Horizonte, elas são 2,5 mil. Em relação aos habitantes do Brasil, os moradores de rua representam de 0,6% a 1%, perfazendo o número bruto de 1,8 milhão.
Dói-nos simplesmente olhar para tal situação. Então acorda em nós o sentimento religioso. Ecoam-nos as palavras de Jesus do dia do Juízo, traduzidas para tal situação: “era morador de rua e não fizeste nada para tirar-me dessa situação”.
Entram em jogo três responsabilidades. A maior afeta o Estado. Ele existe e adquire credibilidade à medida que atende os direitos fundamentais do cidadão. Morar dignamente constitui-se direito básico para todos. A sociedade por meio de instituições, inclusive a Igreja, participa de tal responsabilidade indeclinável.
Além disso, atinge cada um de nós, dentro do campo de suas possibilidades para empenhar-nos, pelo menos, a fim de minorar o sofrimento de abandono, desprezo e descuido do pessoal de rua. Mas hoje se torna difícil tal ajuda por causa do medo difuso que se espalhou na sociedade, de que os estranhos ameaçam. Fica a interrogação à consciência sobre o que podemos fazer para aliviar tão dramática situação.
Pe. João Batista Libanio, SJ
Professor da Faculdade Jesuíta de
Teologia e Filosofia (FAJE)