O fenômeno das migrações não se confunde, sem mais, com a mobilidade social. O conceito de mobilidade social, como indicam os próprios termos, representa a possibilidade de deslocar-se no interior da escala social. Pode ser ascendente, no caso em que alguém consiga subir de extrato. E pode ser descendente, quando ocorre o inverso e alguém perde status. Já o conceito de migração reporta-se à mobilidade humana, deslocamento geográfico no tempo e no espaço.
Entretanto ambas – mobilidade humana e mobilidade social – a partir de um ponto de vista mais acurado, se cruzam e se entrelaçam de acordo com uma série de fatores e circunstâncias sociais, econômicas, políticas e culturais. Em momentos de forte crescimento econômico e de desenvolvimento das forças produtivas (tempo de vacas gordas), por exemplo, é normal que se abram novas portas à mobilidade social, isto é, à oportunidade de galgar um ou mais degraus da escala social. Tal fator positivo, por si só, atrai inevitavelmente concorrentes de todos lados. Neste caso, a mobilidade social pode desencadear e/ou acelerar a mobilidade humana, os deslocamentos de massa. Novos imigrantes dispõem-se a disputar as oportunidades abertas.
Mas, como bem sabemos, o momento atual é de crise (tempo de vacas magras). Crise prolongada, sistêmica, estrutural… , dizem alguns. Em não poucos países, o crescimento está próximo ao percentual zero ou exibe índices negativos. No cruzamento complexo entre mobilidade humana e mobilidade social, a crise costuma provocar um fenômeno duplo, paradoxal e aparentemente contraditório. O “ascensor social”, digamos assim, como que se bloqueia, ou então funciona apenas na direção descendente.
Poucas são as possibilidades concretas de “subir na vida”. Semelhante realidade pode abrir caminho para a migração de profissionais liberais, cientistas, professores, técnicos especializados, jovens laureados – todos em busca de oportunidades em outros países ou regiões. Parcialmente, e em termos muito restritos e selecionados, desbloqueia-se o “ascensor social”.
Por outro lado, a mesma situação de crise, quando profunda e continuada, agrava as dissemetrias, desequilíbrios e desigualdades socioeconômicas entre os países ou entre regiões de um mesmo país. Em semelhantes circunstâncias negativas, também se abrem caminhos a outro tipo de deslocamentos humanos. Não tanto de pessoas que procuram uma posição superior em vista de sua capacitação profissional, como vimos acima, mas de pessoas e famílias que buscam, quase sempre e às vezes de forma desesperada, a mera sobrevivência. A capacidade de continuar a sonhar com um futuro menos deprimente. Aqui, pobreza, miséria, fome, violência, guerra provocam a fuga em massa.
A crise bloqueia parcialmente a mobilidade social ascendente. Nos dois casos indicados, pode levar à mobilidade humana, a fluxos migratórios novos e distintos entre si. Migrações seletivas e sempre minoritários, de um lado, migrações desordenadas e massivas, de outro. Enquanto determinadas migrantes podem colocar sua capacitação especializada no mercado livre e mundial, a grande maioria só tem a oferecer, no mesmo mercado, os próprios braços e a vontade de trabalhar. Constitui a mão de obra fácil e barata, gigantesco “exército de reserva”, hoje tão globalizado quanto a própria economia.
Para os primeiros, abre-se uma luz, ainda que débil e duvidosa, no sentido de uma possível ascensão social no estrangeiro. Na perspectiva dos segundos, ao contrário, a migração representa em geral uma via de gradual degradação fora do lugar em que nasceram. Para estes últimos, efetivamente, o “ascensor social” só conhece o caminho de descida. Pouquíssimas serão as exceções, quer dizer, a conquista de um lugar melhor ao sol. Daí a necessidade de leis migratórias e de relações internacionais mais acolhedoras. Ditadas não tanto pela “segurança nacional”, e sim pela construção plural e coletiva da paz, onde cada pessoa e cada cultura tem algo a colocar sobre a mesa.
Pe. Alfredo J. Gonçalves
Assessor das Pastorais Sociais