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Liturgia: uma ação simbólico-ritual

A Constituição Sacrossanto Concilium, em seu número 7, afirma que na liturgia os sinais sensíveis realizam aquilo que significam, cada um à sua maneira. Desse modo, a liturgia, ação simbólico-ritual, que é exercício do sacerdócio de Cristo e do Corpo Místico, realiza a santificação humana ao mesmo tempo em que é louvor que se eleva a Deus. Cabe-nos debruçar sobre o rito litúrgico, a fim de alcançar maior compreensão do Mistério Pascal de Cristo, ao qual somos reapresentados pelos ritos.
 

“A liturgia cristã é um conjunto de ações rituais, de sinais sensíveis, originários em Jesus Cristo”

O rito, na sua dimensão antropológica, está relacionado com o sentido da vida, com o sentido da existência. Ele é a reunião ou condensação do modo de vida de um determinado grupo ou comunidade. Expressa sua crença, seu modo de ser no mundo em relação com os outros, com a natureza, com o transcendente. São transmissores de uma memória, de costumes, de valores inalienáveis do grupo. É de sua natureza a repetição, o ritmo, um fazer novamente.

No âmbito religioso, segundo Ione Buyst1, o rito ajudará a expressar, provocar e revitalizar a relação com o sagrado, com o transcendente. A liturgia cristã é um conjunto de ações rituais, de sinais sensíveis, originários em Jesus Cristo. Permite, assim, a relação de quem os realiza – pelo Espírito Santo – com Jesus, morto-ressuscitado. Faz acontecer, no aqui e agora da existência, a obra da salvação em que Jesus Cristo “morrendo, destruiu a nossa morte e, ressuscitando, restaurou-nos a vida” . Os ritos litúrgicos garantem que a memória de Cristo e a fé viva da comunidade eclesial, bem como sua configuração como Corpo de Cristo, sejam mantidas ao longo das gerações.
 

“Ritual e espiritual não são opostos irreconciliáveis. O espiritual está encarnado na ritualidade para que nos confrontemos com o Mistério Pascal de Cristo”

Não se trata, portanto, de um roteiro ou de algum emaranhado de textos presentes nos livros, mas de ação ritual realizada pela comunidade de fé, segundo sua condição social, cultural, econômica e cuja fonte é a Escritura Sagrada e a Tradição Viva da Igreja2 . Os ritos supõem então uma teologia da ação realizada, uma vez que ele é meio para o encontro com o Senhor, visando a uma atitude pessoal na vida.

Por isso, o rito cristão não deverá cair no ritualismo e formalismo vazios, mas constituir-se em ritualidade. Embasada pela Escritura e pela teologia, a ritualidade não se faz separada da experiência humana, cuja base fundamental do relacionar-se é o corpo de carne, corpo dos sentidos. “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós”, diz o Evangelho. Em Jesus, Deus assume a humanidade para si, a fim de que todos se tornem participantes de sua vida.

Não há ação ritual sem a participação do corpo, uma vez que Deus se deu a conhecer através dos sentidos. Assim, não podemos falar sobre ritual e espiritual como dois opostos irreconciliáveis. O espiritual está encarnado na ritualidade para que nos confrontemos com o Mistério Pascal de Cristo.
 

“A Páscoa de Cristo não se faz distante. Carregamos nossas cruzes pelos caminhos de nossa história. Tantas vezes somos crucificados, mas reerguidos pela esperança”

Jesus, no contexto da última ceia, na ação profética que anunciava o que aconteceria consigo, deu a ordem à comunidade dos seus discípulos para que repetissem o gesto de tomar pão e vinho e oferecer a Deus em sua memória: “Façam isto em minha memória.” Nesse sentido, além de anunciar, pregar e dar testemunho ao mundo do Cristo que nos salvou, para que se perpetue sua memória, a Igreja recebe o mandato de se reunir para celebrar e fazer memória da Páscoa de Jesus Cristo.

Longe de qualquer teatralização pelos ritos, somos reapresentados ao acontecimento fundamental de nossa fé: o mistério pascal de Jesus Cristo. Não se trata de voltarmos à última ceia do Senhor, ao contrário, caminhamos com Jesus pelas ruas de Jerusalém ao calvário até o sepulcro vazio, como suas testemunhas oculares.

A Páscoa de Cristo, celebrada em ações simbólico-rituais, não se faz distante de nossa vida, pois carregamos nossas cruzes pelos caminhos de nossa história, mergulhados nos sinais de morte. Tantas vezes somos crucificados, mas reerguidos por esperança sem igual, de que o sol nasce trazendo consigo um novo dia, a força da vida, da ressurreição.

Tânia da Silva Mayer
Mestranda em Teologia pela
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia

1 O Segredo dos ritos: ritualidade e sacramentalidade da liturgia. São Paulo: Paulinas, 2011.Aos que desejarem aprofundar este importante assunto consulte a referência seguinte: BUYST, Ione.
2  Tradição é utilizada aqui com “T” maiúsculo, para designar a fé perpetuada na Igreja desde sua
fundação no Evento pascal de Jesus Cristo.
3 Jo 1, 14

 

 

 

 

 



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