Flávia Costa Reis[1]
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Hebert Gerson Soares Júnior[2]
A região onde está localizada a Capela de Santana, o Vale do Rio Paraopeba, tem seu povoamento ligado às explorações realizadas pelos paulistas no século XVII, sendo a mais importante conduzida por Fernão Dias Paes Leme, iniciada em 1674, quando foram formados seus três principais núcleos de povoação: Ibituruna, São Pedro do Paraopeba (mais tarde, Santana do Paraopeba) e Sumidouro. Segundo Diogo de Vasconcelos, “passada a estação das chuvas, em março do anno seguinte [1675], dirigiram-se os bandeirantes em direitura à serra da Borda e atravessaram a região do Campo, entrando na do Paraopeba (Pirahypéba, rio do Peixe chato), onde fundaram o segundo arraial (Sant’Anna)”. (VASCONCELOS, 1904, p. 35)
Há controvérsias se a região de Santana do Paraopeba, hoje distrito do município de Belo Vale, seria a mesma do arraial criado pelos bandeirantes, conforme relatado nas obras Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais, de Waldemar de Almeida Barbosa (1971), e Denominações urbanas de Minas Gerais (1997). Nelas, afirma-se que a região seria, originalmente, o povoado Costas, que teve seu nome alterado pela lei nº 1.035, de 20 de setembro de 1928.
Pertencente, inicialmente, a Congonhas, depois a Bonfim, Santana se torna freguesia em 1865. Porém, devido a razões políticas, a sede paroquial alternou-se sucessivas vezes entre Santana do Paraopeba e São Gonçalo da Ponte, vinculando-se, então, definitivamente, a São Gonçalo. Assim, já no século XX, com a elevação de Belo Vale (antiga São Gonçalo da Ponte) a município, por meio do decreto-lei estadual nº 148, de 17-12-1938, Santana lhe foi anexada como distrito, permanecendo até os dias atuais.
Quanto à capela, sabe-se que foi erguida em fazenda pertencente a Manoel Teixeira Sobreiro e seu sócio, Manoel Machado, conforme provisão de 4 de março de 1750 (TRINDADE, 1945, p. 263). Seus proprietários teriam iniciado garimpo já em 1730, fazendo pedido de concessão de sesmaria e, em 1735, erigiram a capela, no alto de uma colina, homenageando Santana. Sua construção marca, ainda, a alteração do topônimo local, de São Pedro para Santana do Paraopeba.
O terreno onde se erigiu a capela somente foi doado legalmente no século XX, conforme escritura passada em 2 de setembro de 1925, por Antônio Vieira dos Santos e sua esposa, Nívea da Conceição Braga. Pouco depois, em 1929, ocorre a intervenção que modifica sua fachada original, de estilística barroca, para o gosto eclético, aspecto que conserva até os dias atuais, mantendo no frontão o ano de sua construção, 1735.
Figura 01 – Vista frontal da Capela de Santana do Paraopeba após as obras de restauração de 2019/2020. Foto: Hebert Gerson Soares Júnior, 2020.
Em função de tal intervenção, a capela passou a contar com sistema construtivo misto, em alvenaria de pedra, taipa de pilão, taipa de mão (pau-a-pique), e alvenaria autoportante de tijolos cerâmicos maciços. Ainda de pedra são os muros que delimitam o seu adro.
O partido arquitetônico típico do período barroco mineiro, compõe-se de dois volumes de dimensões distintas e internamente abrigam a nave, capela-mor, corredores laterais e sacristia transversal ao fundo. A cobertura é feita em telhado de duas águas ou cangalha, com remate em beiral no volume da nave e beira-seveira na parte posterior. A edificação está implantada no sentido Leste Oeste, em terreno elevado, em área rural, e seu acesso principal se faz por meio de escadaria em pedra até o adro, onde se tem ampla vista do entorno. Este modelo de implantação no eixo de uma escadaria, segundo a própria ficha catalográfica do imóvel, elaborada pelo Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte/Inventário do Patrimônio Cultural, foi utilizado na arquitetura portuguesa ainda do século XVI e depois revisitada no século XVIII em Portugal e mesmo no Brasil. Além desse acesso frontal, existem outros dois secundários, ao Norte e ao Sul, sendo que a este último, na parte externa, encontramos pias/lavabos para uso durante a festa da padroeira e que, segundo a referida ficha de inventário também eram utilizadas para a “limpeza dos pés antes de adentrar o recinto da Capela, tradição comum nas capelas rurais, cuja assembléia normalmente vive nas redondezas, modelo que se repete freqüentemente nos exteriores das mesquitas mulçumanas”.
Figura 02 – Vista da Capela de Santana e sua volumetria em estilos distintos, conforme alterações da reforma nos anos 1920: a parte frontal em gosto eclético e a posterior barroca. Foto: Hebert Gerson Soares Júnior/Acervo do Memorial da Arquidiocese – Inventário do Patrimônio Cultural, 2020.
As fachadas principal e laterais da nave, adotaram o gosto eclético empreendido na obra dos anos 1920, com elementos ornamentais típicos e as aberturas com arcos de pleno cimbre. Em contraposição, no bloco posterior se preservam os moldes barrocos originais da construção com as janelas e portas em enquadramento de madeira, verga reta, peitoril em cantaria e vedação em folhas de madeira almofadadas. A fachada principal apresenta-se em três segmentos, sendo o primeiro com a portada com seus enquadramentos de argamassa em relevo e vedação em duas folhas de madeira almofadada; o segundo com as três janelas no nível do coro e no qual a central, com menores dimensões, abriga o sino único; e o terceiro, separado dos inferiores por meio da cornija escalonada, formando o frontão recortado e decorado com faixas e desenhos geométricos. A composição é encimada por cruz, ladeada por pináculos ao centro e por outras duas cruzes nas extremidades, assentadas sobre os cunhais em argamassa, ornados por elementos geométricos em toda a sua extensão frontal e lateral.
Adentrando a capela, chega-se diretamente ao átrio, localizado sob o coro, cujo acesso se dá por escadaria à direita. No lado oposto, à esquerda, está a pia batismal em pedra granítica, assentada sobre piso elevado igualmente de pedra, e cercada por alta balaustrada em madeira. A nave possui piso em campas e dividido em dois níveis, por meio de balaustrada em madeira torneada, e o forro é facetado, pintado de tom marfim. À esquerda da nave, pouco após a porta lateral, se localiza o púlpito em madeira policromada, e sua escada de acesso, além do retábulo colateral no ângulo com o arco-cruzeiro. Este último também em madeira almofadada e policromada em verde e branco, é encimado por moldura/cimalha verde e pequena cartela recortada.
Figura 03 – Vista interna da Capela de Santana. Foto: Hebert Gerson Soares Júnior/Acervo do Memorial da Arquidiocese – Inventário do Patrimônio Cultural, 2020.
Na sequência, encontra-se a capela-mor, com o piso em campas e presbitério elevado, que tem ao fundo o retábulo joanino. As ilhargas, em alvenaria de taipa de pilão, são revestidas em madeira com painéis pictóricos, e possuem ao centro uma abertura, nos mesmos moldes dos painéis, que dá aos corredores laterais. O forro é abobadado, com pintura central da Virgem Maria.
Nas laterais, os amplos corredores com piso em tijolos cerâmicos fazem acesso direto à sacristia, um amplo salão retangular que mantem o mesmo acabamento dos pisos. Semelhante é ainda o tratamento das alvenarias de pedra, rebocadas à meia altura, e dos forros em madeira moldurada.
A capela guarda acervo remanescente do século XVIII e XIX, representados por altar-mor, altar colateral esquerdo e conjunto de imaginária. Segundo Livro de Inventário, elaborado no Memorial da Arquidiocese, em 2007, os altares apresentam “linguagem formal do estilo barroco joanino tardio com tendência ao rococó mostra bastante complexidade em sua composição e boa fatura embora alguns elementos denotem concepção e técnicas de origem popular”. Não se sabe se existiu, em algum momento, outro altar colateral à direita.
Dentre as esculturas sacras, a imagem da padroeira, Santana, conta de afeição especial da comunidade. A peça foi restaurada entre os anos de 2018 e 2019, recuperando parte de sua originalidade, revelando a elegância e riqueza da talha, seus detalhes e movimentação.
Do mesmo modo, a edificação também passou por processo de restauração de sua arquitetura entre os anos de 2019 e 2020, por contratação direta pelo Município. O projeto de restauração arquitetônica foi elaborado no ano de 2018 pela Faculdade Newton Paiva (Belo Horizonte/MG), com participação de alunos e professores do curso de Arquitetura e Urbanismo.
Esta intervenção foi significativa para reverter o estado de conservação em que se encontrava o imóvel, infestado de cupins, com sujidades aderidas, desgaste e danos nos elementos arquitetônicos, descaracterizações, e problemas na cobertura. Durante as obras foram contempladas recuperações da parte estrutural, alvenarias, esquadrias, cobertura, forros, elétrica e iluminação, hidráulica, segurança eletrônica, proteção contra incêndio e contra descargas atmosféricas, e paisagismo do adro. O forro da capela-mor passou por restauração artística e o piso de campas foi totalmente revisado, imunizado e tratado contra umidade. Nos corredores, sacristia e depósito sob o retábulo-mor foi instalado novo piso em lajotas cerâmicas rústicas, aos moldes daquelas preexistentes e sem possibilidade de reaproveitamento. O sino foi recuperado e tratado nos elementos metálicos e de madeira.
Figura 04 – Detalhe de alvenaria de pau-a-pique encontrada durante as obras de restauração. Foto: Hebert Gerson Soares Júnior/Acervo do Memorial da Arquidiocese – Inventário do Patrimônio Cultural, 2019.
Na ocasião, ainda foi importante a verificação e registro dos diferentes sistemas construtivos anteriormente mencionados. Ao refazer todo o reboco externo e grande parte do interno, foi possível constatar que as paredes externas da sacristia foram executadas em pedra (canga), as ilhargas da capela-mor em taipa de pilão, ao fundo do retábulo em pau-a-pique, e aquelas da nave quase totalmente edificadas em tijolos cerâmicos maciços. Para essas últimas, no entanto, foi observado o reaproveitamento dos baldrames em cantaria e parte das alvenarias originais de pedra.
Por sua posição eminente, a capela serviu por muito anos de referência aos viajantes, podendo ser observada de vários pontos. Além disso, com o crescimento populacional, se tornaria também referência religiosa, reunindo, ao longo dos anos, grande número de festejos tradicionais importantes para a região, como a Festa de Santana, realizada anualmente nos dias 25 e 26 de julho, que marca o calendário festivo em todo o Vale do Paraopeba, contando com ampla participação popular.
Referências bibliográficas e Fontes
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995.
TRINDADE, Raymundo Octavio da. Instituições de igrejas no bispado de Mariana. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1945.
VASCONCELOS, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974.
TRINDADE, Dom Frei José da Santíssima; OLIVEIRA, Ronald Polito de. Visitas pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade: (1821-1825). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1998.
MOURA, Antônio. Seguindo viagem pela história de Belo Vale. Belo Vale: Promove Artes Gráficas e Editora, 2012.
LEMOS, Celina Borges; Paiva, José Eustáquio Machado de. Patrimônio, cultura e meio ambiente na Serra da Moeda – resíduos e reminiscências do espaço–tempo colonial. Disponível em: <https://diamantina.cedeplar.ufmg.br/portal/download/diamantina-2010/D10A083.pdf> Acesso em julho de 2021.
LIVRO do Tombo da Paróquia de São Gonçalo. Abertura em 18/10/1914.
LIVRO do Tombo da Paróquia de São Gonçalo. Abertura em 18/06/1967.
[1] Possui graduação em História pela PUC-Minas (2007), pós-graduação em História da Arte pela Universidade Estácio de Sá e atualmente é aluna do mestrado em Artes da Faculdade de Belas-Artes da UFMG. Integra o corpo técnico de colaboradores do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte/Inventário do Patrimônio Cultural.
[2] Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela PUC-Minas (2014), e pós-graduação em Patologia, Terapia e Manutenção de Edificações (2018) pela mesma universidade. Integra o corpo técnico de colaboradores do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte/Inventário do Patrimônio Cultural.