Somos convidados a olhar para o mistério cristão como um acontecimento que nos revela o plano divino da Salvação que Deus realiza na história da humanidade. Antes de ser uma doutrina, o “mistério” é um acontecimento oferecido como salvação a todos os seres humanos. Esse mistério de Deus chega à plenitude em Jesus de Nazaré e é anunciado na comunidade dos discípulos, até sua vinda gloriosa.
Absorvemos esse mistério de Deus que chega até Jesus de Nazaré, como o próprio Cristo que se fez sacramento de Deus. Ele é o Proto, o primeiro sacramento de Deus. Sofrendo a morte de cruz e ressuscitando, ele retorna ao Pai e envia seu Espírito para a Igreja nascente, fazendo dela sacramento dele. Assim, a Igreja é a continuação desse Sacramento (por isso ela é visível: para continuar a mesma economia salvífica divina). Ela nos oferece os sacramentos que provêm da vida do Cristo (Batismo, Crisma e Eucaristia) nos fazendo assim, sacramento do próprio Cristo.
Enquanto Jesus estava vivo, os apóstolos o acompanhavam e outros sacramentos não se faziam necessários, pois Ele era o Sacramento vivo, em pessoa. Com os eventos da paixão morte e ressurreição de Jesus, os apóstolos passam a compreender verdadeiramente quem era o Jesus que esteve com eles: o Cristo, Filho do Pai, o amor salvífico do Pai que veio até nós. No momento em que a humanidade visível de Jesus se subtrai aos nossos olhos, nasce a Igreja. Assim, a Igreja nasce com a efusão do Espírito Santo. Nesse sentido a Igreja é a prolongação da humanidade de Jesus.
No século primeiro, entre os cultos pagãos, havia a “religião de mistérios”, como os mistérios de Elêusis e os mistérios órficos, que prometiam aos iniciados uma vida melhor após a morte, pela prática de uma forma ascética de vida. Acreditavam em sucessivas encarnações, cujo círculo penoso poderia ser rompido pelas práticas religiosas.
Conta a nossa história da Igreja que, por volta do segundo século, quando se inicia a catequese catecumenal, e os pagãos começam a fazer a sua opção para viver esse mistério de fé que é o Cristo ressuscitado, a Igreja, através dos Padres do seu tempo, interpretando o sentido da fé que se fortalecia entre os pagãos, muda o nome “mistério” para “Sacramento” . Essa mudança de nome ajudava os pagãos a fazer sua opção à fé cristã sem confundir com as demais práticas religiosas que eles tinham e eram conhecidas como “mistérios”.
Nesse sentido, foi Tertuliano (+ 220) que aplicou, pela primeira vez e de modo explícito, a palavra sacramentum ao batismo. Com o conceito de sacramentum Tertuliano pôs em relevo a ideia de auto-obrigação pessoal e moral com que se responde ao ato salvífico de Deus, um elemento dialógico importante. Tertuliano foi um prolífico autor das primeiras fases do Cristianismo, nascido em Cartago na província romana da África. Ele foi o primeiro autor cristão a produzir uma obra literária em latim. Ele também foi um notável apologista cristão .
Para Agostinho (+430) Deus estabelece sinais por meio dos quais Cristo comunica a graça da salvação (invisível) no batismo e na eucaristia, unindo um elemento material (visível) a uma palavra que o explica.
No século IV Santo Agostinho aprofunda a teologia do sacramento explicitando que no rito sacramental o elemento material e a palavra constituem sinais visíveis da realidade invisível que é a graça salvífica de Deus presente na ação litúrgica. Ele diz: “Há sacramento em uma celebração quando se faz memorial do acontecimento [de Cristo] de modo que se compreende que alguma coisa é significada e que se deve receber santamente”. A palavra ‘sacramento’ era referida ao batismo e à eucaristia. Mais tarde seu uso foi também estendido aos outros sacramentos. E como o sacramento nos reporta ao mistério pascal salvífico de Cristo, Jesus é o ‘SACRAMENTO’ (MISTÉRIO) da salvação de Deus para a humanidade, a IGREJA, enquanto meio de comunicação da salvação de Cristo, é SACRAMENTO DE CRISTO.
Procurando compreender: Mysterion = sacramentum
• Paulo, em suas cartas, adota o sentido de “segredo oculto em Deus e revelado agora em Jesus Cristo” da palavra mistério:
• Rm 16,25-27: “mistério guardado no silêncio desde os séculos eternos, mas agora manifestado e dado a conhecer a todos os povos pagãos.”
• Ef. 1,9-10: “revelou-nos o mistério da sua vontade […] reunir o universo inteiro em Cristo”
• Cl 1,26-28: Mistério antes escondido, agora revelado para tornar cada um perfeito em Cristo”.
• Cl 4,3: “rezai por nós […] a fim de que eu anuncie o mistério de Cristo”
O “mistério revelado” na encarnação e vida de Jesus é a nossa salvação em Cristo, e que nos é comunicada na Igreja pelo Batismo,Crisma, pela Eucaristia, … pelos SACRAMENTOS. A palavra Sacramento vem do latim sacramentum que é, por sua vez, uma tradução do grego mysterion. Como gestos de Deus em nossa vida, realizam aquilo que expressam
simbolicamente. São, portanto:
• Sinais sagrados, porque exprimem uma realidade sagrada, espiritual;
• Sinais eficazes, porque, além de simbolizarem um certo efeito, produzem-no realmente;
• Sinais da graça, porque transmitem dons diversos da graça divina;
• Sinais da fé, não somente porque supõem a fé em quem os recebe, mas porque nutrem, robustecem e exprimem a sua fé;
• Sinais da Igreja, porque foram confiados à Igreja, são celebrados na Igreja e em nome da Igreja, exprimem a vida da Igreja, edificam a Igreja, tornam-se uma profissão de fé na Igreja.
• Do séc. IV ao XII usa-se a palavra “sacramento” para tudo o que se refere ao sagrado.
• A partir do séc. XII começa-se a destacar os sete sacramentos primordiais da Igreja, que são oficialmente assumidos pelo Concílio de Trento em 1547.
Hoje somos chamados a refletir sobre o método da “Mistagogia”. Refere-se a um método que nos leva a compreender o fundamento da Teologia dos Sacramentos da Iniciação Cristã e nos possibilita a sermos conduzidos para dentro do mistério da vida do Ressuscitado.
Neuza Silveira de Souza
Coordenadora do Secretariado Arquidiocesano
Bíblico-Catequético de Belo Horizonte