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Homilia, celebração e evento da salvação

 
Dos elementos judaicos já analisados, pode-se deduzir os sentidos bíblico e existencial da homilia como dois eixos que sustentam a experiência de fé. A Bíblia tende para a vida e vice versa. Quem procura a Igreja para celebrar deseja uma palavra que lhes dê alento, conforto, resposta, sentido. A necessidade dos fiéis coincide com a natureza própria da homilia, mas não a determina. O homiliasta, embora esteja atento às necessidades pastorais, não perde de vista a primazia da Palavra de Deus, tal como é apresentada na liturgia, pelos textos bíblicos, eucológicos, ritos e símbolos. Outra interface da homilia aparece na análise: o elemento litúrgico enquanto contexto próprio que distingue a homilia de qualquer outro tipo de pregação. A homilia é parte da liturgia e só pode ser compreendida a partir dela (cf. SC 52).
 
Na liturgia, como para os demais elementos, a homilia converge para o mistério da fé, o evento da salvação. Ritualmente esse evento tem sua epifania em diversos ritos, orações e símbolos. Também na própria homilia. Mas, para demonstrar mais nitidamente qual é o mistério aglutinador da experiência litúrgica, convém examinar a aclamação memorial, rito que demonstra claramente o mistério de Cristo celebrado na Igreja:
 

Eis o mistério da fé.

Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!

ou:

Toda vez que se come deste pão, toda vez que se bebe deste vinho, se recorda a paixão de Jesus Cristo e se fica esperando a sua volta.

 

A aclamação é tirada da primeira carta de Paulo aos Coríntios (cf. 1Cor 11,17-34). Paulo adverte os membros da comunidade a respeito da sua prática celebrativa: eles comem a ceia sem discernir o corpo de Cristo, isto é, a comunidade. Depois de uma longa censura, o apóstolo retoma o sentido da ceia, recordando os gestos e palavras de Jesus e, em seguida, oferece o texto que a Igreja assumiu como aclamação memorial (cf. 11,26). O anúncio tem caráter ritual: comer e beber a ceia em memória de Jesus[1]. O sentido memorial decorre do próprio mandamento do Senhor: “Façam isto como meu memorial” (1Cor 11,24). Supõe compreender o sentido narrativo dos sinais e gestos da ceia. Eles remetem à morte e à ressurreição do Senhor. Transportam ao evento salvífico da fé cristã.

 

O rito da Palavra, que necessariamente comporta uma homilia, situa-se como mesmo movimento eclesial de realizar a memória de Cristo: “Desde então a Igeja jamais deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal: lendo ‘tudo quanto nas Escrituras a ele se referia’ (Lc 24,27)”[2]. A leitura é mais que a ação de proferir textos. É já uma ação ritual que se desdobra no horizonte interpretativo da comunidade de fé que desemboca na meditação homilética. Neste sentido, a homilia como elemento litúrgico gira em torno do mesmo mistério e, igualmente, comporta um sentido memorial, pois deve conduzir à experiência da fé, seja pela própria Escritura, enquanto ponto de partida, seja pelos demais elementos da liturgia, que igualmente narram o evento da salvação. Eis, portanto, mais um elemento a fazer interface com os demais elementos da homilia (Escrituras, contexto existencial, contexto celebrativo): o evento da salvação, ou dito de outra maneira, o mistério da fé. Os demais elementos a ele convergem e dele retiram seu sentido e sua força.

Exercício de observação:

Nas celebrações que participo, as homilias convergem para o evento da salvação?

 



[1] Renato De Zan diverge dessa explicação. Segundo ele, o verbo anunciar, em grego (kataggello) refere-se a uma proclamação das Escrituras, anterior ao rito eucarístico. Cf. DE ZAN, R. “I molteplici tesori dell’unica Parola” Introduzione al Lezionario e alla lettura liturgica della Bibbia. Pádua: Edizioni Messaggero Padova, 2008, pp. 28.67.

[2] SC 06.

 



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