A palavra fé é associada à exaustão a manifestações de caráter religioso. Mas, basta abrir o dicionário para que ela se apresente com definições mais amplas e até em expressões compostas, como “fé de ofício” ou “dar por fé”, por exemplo.
De qualquer modo, a despeito do entendimento generalizado da fé como crença religiosa, escolho aqui traduzi-la por confiança, totalmente despida dessa conotação. Com todo o respeito aos que professam suas religiões – também me considero uma pessoa religiosa.
E por que, então, trazer este assunto ao leitor? Porque há dias somos surpreendidos por notícias terríveis de pais que cometem suicídio coletivo, levando à morte seus próprios filhos pequenos.
O desespero deve ter razões que a própria razão desconhece. Não tenho formação especializada para avaliar o suicídio em si e, como ser humano, não me sinto autorizada a julgar um suicida, embora lamente profundamente tal ato.
Desdobramentos
Muitas são as leituras sobre os recentes episódios de suicidas que arrastam consigo suas famílias. Embora o assunto seja penoso, é importante nos colocarmos a par dessas reflexões, no sentido de tentar entender o que está acontecendo.
Pessoas comuns, gente como a gente, constroem uma família e, de repente, exterminam o que há de mais caro entre os seres humanos. Mesmo que houvesse um repente de proteção – levar o filho para a morte, impedindo assim que ele venha a sofrer em vida –, quem dá a alguém o direito a tamanho egoísmo? Será que aquele raciocínio tolo do “eu lhe dei a vida, posso tirá-la quando quiser” prevalece nas mentes atormentadas de quem, com o suicídio, supõe ter encontrado uma solução definitiva para os seus problemas?
Surgem também considerações sobre o desemprego influir na maior incidência de suicídios na população brasileira. Naturalmente, não é nada fácil tocar o dia a dia sem recursos. Mas, não será a cultura consumista, sobre a qual desenvolvemos nossa sociedade, a maior opressora de corações e mentes daqueles que deixaram de confiar em si próprios?
Vivemos tempos desafiadores, com cerca de 12 milhões de desempregados no país. Muitas famílias foram abaladas pelo que se chama de perda do padrão social. E, assim, movidos pelas regras do consumo, muitos se sentem incapazes de reagir, de se reinventar, de ter fé na sua capacidade de se fazer diferente e de criar sua família com amor, com harmonia, com diálogo. Somos o que fazemos de nós mesmos. Os bens materiais que acumulamos não nos representam, nem nos distinguem. Infelizmente, nem todos pensam assim. Pior, nem todos se dão a oportunidade de pensar.
Ouvir
Não podemos, nem devemos criar expectativas com relação aos outros. Expectativas ambiciosas com relação a nós mesmos também são prejudiciais. Tudo, porque somos surpreendentes, tanto para o bem quanto para o mal. Como apontar um eventual suicida, se todos parecemos tão normais?
A força interior daquele que foge do terror das guerras, ou daquele que tudo perde num tremor de terra, mas não a vida, deveria servir de exemplo para não fraquejarmos. Todo mundo tem problemas e alguns são tão sérios que automaticamente ofuscam a gravidade dos nossos. No entanto, quem é abatido por uma profunda depressão, por um sentimento de incapacidade, não consegue, sozinho, vencer os seus medos, nem enfrentar as suas dificuldades.
Sempre que nos dispomos a ouvir um parente, um amigo, um vizinho, um colega de escola ou de trabalho, estamos, de algum modo, prestando uma ajuda. Fique atento a essa possibilidade, pois uma ação muito simples pode fazer grande diferença na vida de uma pessoa e de sua família, inclusive para orientá-la a procurar uma assistência profissional.
Podemos confiar em nós mesmos, vencer barreiras, buscar saídas e encontrar soluções. Essa fé existe em cada um de nós, mas, muitas vezes, precisa ser despertada.
Lucila Cano
redatora e assessora de imprensa
formada em Comunicação Social pela Fundação
Armando Álvares Penteado – FAAP (SP)