Pelos gestos e posições do corpo se compreende a verdadeira e plena significação das diversas partes da celebração e que se favorece a participação de todos. Essa orientação consta da Instrução do Missal Romano que faz supor uma harmonia entre o rito e o que ele significa. É o que podemos ver em um exemplo curioso : O artigo 151 da mesma Instrução afirma: “Após a consagração, tendo o sacerdote dito: Eis o mistério da fé, o povo profere a aclamação usando uma das fórmulas prescritas”. O texto está se referindo à aclamação memorial, introduzida no rito da missa da Igreja Romana após a reforma desencadeada pelo Concílio Vaticano II. Por se tratar de uma aclamação, assim definida pelo próprio texto introdutório do Missal, o gesto e posição do corpo que se harmonizam com tal rito só podem ser o ficar de pé. Não se aclama de joelhos ou assentado.
Aclamar é um ato de exultação e de afirmação solene e efusiva de uma verdade, de uma sentença, ou um solene reconhecimento de um evento ou de alguém que mereça distinção, veneração ou elogio. Um testemunho histórico narra a aclamação ao Papa Gelásio. O gesto que esse testemunho histórico narra é o colocar-se de pé. Note que ao verbo aclamar e às solenes afirmações da corte papal articula-se o verbo levantar-se:
Levantaram-se todos os bispos e presbíteros suplicando e dizendo: “Cristo, ouvi-nos: Vida a Gelásio”, foi dito vinte vezes, “Defendei aquele que Deus vos deu com poder”, foi dito doze vezes. “Este faz o que fez São Pedro!”, foi dito dez vezes; “Pedimos que tenhas piedade!”, foi dito nove vezes. Todos os bispos e presbíteros se levantaram no sínodo e aclamaram: “Cristo, ouvi-nos: Vida a Gelásio! |
Contudo, o artigo 43 da Instrução do Missal prevê, “onde for costume” que o povo permaneça de joelhos do fim da aclamação do Santo até ao final da oração eucarística e antes da comunhão, na apresentação das espécies sagradas. A contradição, infelizmente, faz o texto perder a sua força normativa e a “flexibilização” impede a unidade nos gestos previstos no artigo 42. Além disso, o próprio rito ganha um sentido sobreposto à aclamação do mistério pascal, tão caro e essencial para a compreensão da liturgia romana em sua impostação pascal.
A adição ao artigo 43 – “Onde for costume o povo permanecer de joelhos do fim da aclamação do Santo até ao final da oração eucarística e antes da comunhão quando o sacerdote diz: ‘Eis o Cordeiro de Deus’, é louvável que ele seja mantido” – que data da edição de 2002 do Missal, não foi atenta ao sentido do rito. A leitura do texto, portanto, exige uma hermenêutica que desfaça os mal entendidos e não transforme a aclamação memorial em gesto devocional. Fico imaginando como seria se cantássemos o aleluia antes do Evangelho de joelhos… Dá o que pensar!
1PAPA GELÁSIO I. Carta 103. In. Antologia Litúrgica: Textos litúrgicos patrísticos e canónicos do primeiro milénio. Fátima: Secretariado Nacional de Liturgia, 2003, p.1076.
Pe Danilo César
Liturgista