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Fiéis se unem em oração na Praça da Liberdade e revivem os passos da Paixão de Cristo

A Praça da Liberdade ficou repleta de fiéis na noite desta Sexta-feira Santa, dia 19 de abril, durante a meditação dos passos da Via-Sacra, relembrando a Paixão e Morte de Jesus Cristo. As comunidades de fé das Paróquias Nossa Senhora da Boa Viagem, São José, Nossa Senhora de Lourdes e Nossa Senhora de Fátima e Santo Antônio se uniram nesta bonita caminhada, presidida pelo bispo auxiliar dom Geovane Luís da Silva, com as meditações conduzidas pelos párocos das igrejas situados na região central de Belo Horizonte. Os passos de Jesus Cristo foram encenados por um grupo de teatro composto por jovens voluntários. Esta foi a quarta vez que a Praça da Liberdade recebeu a encenação da Via-Sacra.

No entorno da Praça foram instaladas 13 estações da Via-Sacra. A cada parada, os fiéis, iluminados pelas luzes das velas, oravam e cantavam. A última estação foi meditada no Santuário Arquidiocesano de Adoração Perpétua – Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, onde dom Geovane fez uma profunda reflexão sobre a Paixão de Cristo e seu significado na vida pessoal e em comunidade.

Leia, na íntegra, a meditação de dom Geovane, na Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem:

Paixão do Senhor

“Jesus Cristo nos amou até o fim
e lavou nossos pecados com o seu sangue”

Introdução
Caríssimos irmãos (ãs), ao celebramos a Paixão do Senhor abre-se largamente para nós a estrada da reconciliação e da Paz.

Como peregrinos revivemos através desta Via Crucis os últimos passos de Jesus em sua caminhada terrena e desejamos alcançar com Ele a Via Lucis, a glória da ressurreição.

A Sexta-feira da Paixão é o tempo favorável da graça do Senhor, convidando-nos à reconciliação com nós mesmos, com o próximo, com a criaturas e com Deus.

Como nos diz São Paulo: “Quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte do seu Filho” (Rm 5,10). Deus vem ao nosso encontro nas diversas situações da vida, toma a iniciativa e se apressa para nos abraçar e colocar-nos sob a dinâmica do seu amor misericordioso, que agora resplandece no rosto desfigurado do seu Amado Filho, o Servo Sofredor.

Fomos criados pelo Pai e colocados neste mundo para vivermos em paz, reconciliados e felizes. Nascemos destinados à reconciliação e não existe outro caminho para quem deseja viver em paz, longe da violência que desfigura o ser humano, fere profundamente sua dignidade e ceifa a vida de tantas pessoas.

Ao arrastar o lenho da cruz pelas vias estreitas de Jerusalém, Jesus Cristo inaugurou a estrada da reconciliação e da paz banhando o universo inteiro com o seu precioso sangue. “Agora, em Jesus Cristo, vós que outrora estáveis longe, vos tornastes próximos pelo sangue de Cristo. Ele, de fato, é a nossa paz: do que era dividido, ele fez uma unidade. Em sua carne ele destruiu o muro de separação que existia entre os povos: a inimizade” (Ef 2, 13-14).

O sangue de Cristo fecundou a terra e banhou as estradas do mundo inteiro fazendo brotar no coração do ser humano rebentos vicejantes de amor, de perdão e de paz; e ainda que os cortem, voltam a despontar, porque a ressurreição do Senhor já penetrou a trama oculta desta história; porque Jesus não morreu em vão . Nos diz São Gregório Magno que “a terra não ocultou o sangue de nosso Redentor, pois qualquer pecador, ao beber o preço de sua redenção, o proclama e o manifesta aos outros. A terra não cobriu o seu sangue porque a Santa Igreja já anunciou em todas as partes do mundo o mistério de sua redenção” .

O sangue de Jesus, qual um rio, continua banhando a terra quando os atos de violência cometidos pelo ser humano tentam intimidar e silenciar as vozes que clamam por justiça e paz! É assim também que a paixão de Cristo se atualiza na história e na vida dos homens e mulheres deste mundo.

Se queremos promover a cultura da paz sigamos os passos de Jesus. Ele, cumprindo a vontade do Pai, criou em si um só homem novo, estabelecendo a paz. Quis reconciliar-nos com Deus por meio da sua cruz; assim Jesus Cristo destruiu em si mesmo a inimizade. No seu corpo, esmagado pelos nossos pecados, Ele se opôs ao ódio que arranca a alegria do coração humano. Ele veio anunciar a paz a vós que estáveis longe, e a paz aos que estavam próximos. É graças a ele que temos acesso junto ao Pai (Ef 2,15-18). Somente Jesus Cristo, nosso mestre e Senhor, pode conduzir-nos pela mão na estrada exigente da reconciliação com nós mesmos, com próximo, com as criaturas e com Deus.

Reconciliar-se consigo mesmo

O encontro ou reconciliação consigo mesmo é a condição para redescobrir o sentido autêntico da nossa vida e missão. Nestes dias da Semana Santa façamos este êxodo interior à procura da nossa verdadeira identidade: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos” (1 Jo 3,1). Eis aí o maior tesouro que possuímos: nossa condição de filhos e filhas de Deus.

Quando esquecemos a graça da filiação nos distanciamos do amor do Pai e nos relacionamos com Ele como se fosse um patrão cruel, tornamo-nos escravos de nós mesmos, violentos com o próximo, e assim assumimos a rebeldia do filho pródigo que renega sua condição filial. Quando o ser humano esquece sua condição de filho de Deus, o ódio encontra aconchego no seu interior e dali escorre como a lava incandescente do vulcão, pois é de dentro do coração das pessoas que saem as más intenções: homicídios, roubos, imoralidade sexual, adultérios, ambições desmedidas, perversidades; fraude, devassidão, inveja, calúnia, orgulho e insensatez. A superação do ódio que gera violência passa necessariamente pela mudança profunda do nosso coração.

O esquecimento do nosso status de filhos e filhas de Deus não tem a força de arrancar do mais íntimo de nós aquela marca de pertença ao Pai, pois mesmo quando o renegamos, Deus permanece fiel à sua paternidade que assume feição materna, pela qual somos gerados e amados incondicionalmente, desde sempre e para sempre acolhidos. Podemos renunciar à nossa condição de ‘filhos’, mas não o seu ser Pai, ao qual Deus não poderá renunciar jamais , pois é fiel à sua paternidade e mostra-se rico em misericórdia para com todos (Ef 2,4).

Deus é um Pai diferente! Ele nos criou, colocou-nos no mundo e permaneceu no mais íntimo de nós. O pai e a mãe unidos no amor constituem a família, geram os filhos colocando-os para fora, inserindo-os no mundo e na sociedade; mas Deus que é Pai e nos ama com ternura de mãe, age de forma totalmente nova, pois ao criar o ser humano, à sua imagem e semelhança, o transforma numa pequena casa onde Ele mesmo habita e permanece. Santo Agostinho expressou esta verdade ao dizer: “Tarde vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu, lá fora, a procurar-vos!” . Também o Servo de Deus Dom Luciano não se cansava de repetir: “Deus nos gera e fica dentro de nós”!

Cada ser humano assemelha-se a uma tenda habitada por Deus! A certeza da presença de Deus no mais íntimo de nós abre os nossos horizontes ao amor universal. “Dissemos que Deus habita em nós, mas é melhor dizer que nós habitamos nele, que Ele nos possibilita viver na sua luz e no seu amor. Ele é o nosso templo: ‘Uma só coisa desejo; habitar na casa do Senhor por toda a minha vida’ (Sl 27). Um dia nos teus átrios vale mais que mil (Sl 84). Nele, somos santificados” .
Reconciliar-se com o próximo

“Deus, que tem um cuidado paternal para com todos, quis que todos os homens e mulheres formassem uma só família e se tratassem mutuamente com espírito fraterno” . Por isso a paz que tanto desejamos para nós deve irradiar-se também em nossas relações humanas. A certeza de que somos filhos e filhas de Deus fortalece os laços de comunhão entre nós e nos faz ver a criação, o mundo e as pessoas de um modo novo.

Toda a criação se transforma num lugar privilegiado para o encontro com Deus, pois ele se deixa encontrar em suas criaturas e nunca nos abandona. Nós é que nos distanciamos e recusamos o Seu amor. Se porventura nos sentirmos sozinhos, abandonados por Ele e perguntarmos ó Deus onde estás; Ele certamente nos responderá com uma outra pergunta: onde está o teu irmão? Aquela mesma pergunta outrora dirigida a Caim sobre o paradeiro de seu irmão Abel.

O próximo é um espelho vivo que reflete a minha imagem de filho de Deus e também a dignidade ferida do meu irmão. Disto nos dá testemunho o Papa Francisco ao dizer: “Cada vez que entro numa prisão para uma celebração ou para uma visita, sempre me vem este pensamento: porque que eles e não eu? Devia estar aqui, merecia estar aqui. A sua queda poderia ser a minha, não me sinto melhor do que aqueles que tenho diante de mim” . Ao ver um irmão que sofre devo colocar-me no seu lugar que também me pertence, faz parte da minha condição humana. Não somos melhores do que os outros. Por mais degradante que seja a situação na qual se encontre um irmão nosso, jamais poderemos nos julgar superiores ou melhores: na realidade somos iguais, saímos do mesmo ventre misericordioso de Deus. Somos seus filhos, somos todos irmãos!

A onda gigante do ódio e da intolerância que agita o mar da história encontra sua raiz no coração do ser humano que se fecha ao mandamento do amor (Jo 15,12) e se distancia do caminho do perdão que Jesus nos indicou ao longo de sua missão e na hora extrema de sua morte. Jesus passou por este mundo fazendo o bem e morreu “ofertando o perdão, reconciliando, abrindo, com suas chagas, o caminho da vitória sobre toda forma de violência” .

Jamais alcançaremos paz e segurança legitimando o uso e o porte de armas. Isto é demoníaco! Agir assim é comportar-se como inimigo da cruz de Cristo. Nossas autoridades legitimamente constituídas deveriam propor políticas públicas que de fato favoreçam a vida e a dignidade de todos.
Reconciliar-se com a realidade, o mundo e a natureza

O amor e o respeito pelo semelhante nos conduzem à compreensão de que fazemos parte de um grande projeto de Deus. A criação, nossa Casa Comum, foi colocada nas mãos do ser humano, não para ser explorada e destruída, pois somos cuidadores e não proprietários da obra que saiu das mãos do Criador.
Quando esquecemos nossa condição de filhos de Deus perdemos também a consciência de que somos um vaso de argila modelado com amor pelas suas mãos. “Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra ” e de que “o nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos” . Este esquecimento ativa no ser humano o desejo de uma exploração predatória sobre a natureza, levando as pessoas a uma atitude de dominação sobre a criação de Deus. Os sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos são sinais evidentes da violência latente no coração do ser humano” .

“A destruição do ambiente humano é um fato muito grave, porque, por um lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação ”.

A exploração depredadora da natureza vem gerando grandes problemas para a nossa sociedade, especialmente em Minas Gerais. Testemunhamos isto e estamos sofrendo as consequências em nossa própria carne, quando ao entardecer do dia 05 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão consumou a maior catástrofe ambiental do Brasil. E no dia 25 de janeiro deste ano, a consumação da maior tragédia humana mundial provocada pela mineração, ocorrida em Brumadinho. Vidas humanas foram ceifadas, lares destruídos, sonhos apagados, incontáveis os prejuízos provocados pelo mar de lama. Um ato brutal de violência contra a natureza e contra o ser humano! Tudo o que os responsáveis fizerem para amenizar esta situação criminosa, ainda será pouco para curar as feridas e sanar os prejuízos que estes fatos provocaram na caminhada pessoal e social de inúmeros irmãos e irmãs atingidos, vítimas indefesas da busca inescrupulosa de lucro proveniente da ação mineradora.

“Acorda, ó homem: toma consciência da dignidade de tua natureza. Recorda-te de teres sido feito à imagem de Deus que, embora corrompida em Adão, foi recriada em Cristo. Portanto, usa de modo justo das criaturas visíveis, como gozas da terra, do mar, do céu, do ar, das fontes, [das flores], dos rios e de tudo quanto neles achas de belo e de admirável. Por tudo dá louvor e glória ao Criador!” .
O momento presente, marcado por uma deterioração global do ambiente, clama por uma reconciliação do ser humano com a sua Casa Comum, irmã com quem partilhamos a existência, e, ao mesmo tempo mãe que nos acolhe e abraça.

Reconciliar-se com Deus

O encontro verdadeiro consigo mesmo nos revela que somos filhos e filhas de Deus e o encontro com o próximo nos faz ver que somos irmãos e irmãs uns dos outros, somos gerados no coração do Pai. Eis aí a estrada para o retorno à nossa origem. É agora o momento favorável: deixai-vos reconciliar com Deus (2 Cor 5, 20-6.2), pois “Quem tem a Deus por Pai nunca padece de solidão ”, mas se descobre irmão do outro e se sente acariciado pela ternura materna de Deus.

O olhar de Deus Pai está sempre voltado para nós. O seu amor não nos perderá de vista jamais, pois “Misericórdia e piedade é o Senhor, ele é amor, é paciência, é compaixão. O Senhor é muito bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura” (Sl 144,8-9).

Deus é um Pai que nos ama, não em proporção aos nossos méritos, mas em proporção às nossas fraquezas e sofrimentos. Quando Ele nos dirige o seu olhar não vê por primeiro os nossos pecados, mas o nosso sofrimento. Nossa reconciliação com Ele só será possível se assumirmos a nossa condição de pecadores. O verdadeiro mal do pecador não é o seu pecado, mas o seu olhar voltado para si mesmo. Quem olha a si mesmo verá somente a sua própria falência, mas quem olha para Deus descobre sua condição intacta de filho. Quem olha para si mesmo permanecerá sozinho, caído por terra, semelhante a um cão lambendo as próprias feridas, mas quem olha para Deus Pai descobrirá que não existem situações das quais não possamos nos reerguer, pois enquanto estivermos vivos será sempre possível recomeçar, se permitirmos que o Pai nos abrace com as suas duas mãos: o seu Filho, Jesus Cristo e o Espírito Santo. Nós somos fonte de miséria, mas Deus não, Ele é um mar de misericórdia.

Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. Ele foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa dos nossos crimes; a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura” (Is 52,5). “Ele carregou sobre si nossas culpas em seu corpo, no lenho da cruz. Por suas chagas nós fomos curados” (1Pd 2,21.24). Ao celebrarmos a Paixão do Senhor supliquemos a graça da fidelidade invencível que o conduziu até o calvário para que façamos o bem sempre e guardemos sem mancha a Igreja, sua amada esposa.

Ao final desta Via Sacra ressoa aos nossos ouvidos aquela declaração de amor que João registrou no seu evangelho proclamado ontem antes do lava-pés: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Amou-nos para que pudéssemos passar da morte à vida com Ele, pois Jesus Cristo é o fim que devemos alcançar. Nele se cumpre a nossa passagem à casa do Pai.

Jesus nos amou não só até à hora da sua morte. Assim exclamou Agostinho: “Como podemos pensar que Cristo ao morrer nos deixou de amar, justamente Ele que não foi destruído pela morte? Ele nos ama sempre e sem fim, caso contrário não teria assumido nossa condição humana, não teria sofrido por nós ”.

+Geovane Luís da Silva
Bispo Auxiliar – Arquidiocese de Belo Horizonte
19 de Abril de 2019

 

 



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