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Ex-moradores em situação de rua fazem concurso e conquistam os primeiros lugares

Jusair comemora a conquista e afirma que pretende progredir por meio de novos concursos  Marcelo deseja concluir a faculdade de Administração Pública e fazer carreira no Estado

 

*Mônica Bussinger

A República Reviver e a República Professor Fábio Alves – serviços de acolhimento a pessoas em situação de rua – e a Arquidiocese de BH que abraça esses projetos mantendoo quadro funcional das casas, comemoram a aprovação de dois moradores em concurso da MGS – Minas Gerais Serviços. A realização deve-se a uma importante parceria entre a  Arquidiocese de BH e a Prefeitura Municipal. Marcelo da Silva Santiago passou em primeiro lugar e Jusair Santos da Silva em vigésimo, na disputa que envolveu milhares de candidatos. O resultado reflete a força e a fé de cada um deles na construção de um sonho: sair das ruas, ganhar autonomia e constituir um lar. E, também, é fruto de um trabalho dos funcionários das duas casas, que tem como pilares a excelência profissional e a solidariedade.

Marcelo da Silva Santiago  recorda a grande emoção que sentiu ao conferir o resultado do concurso, mas não considera este um ponto de chegada. “É o primeiro passo de uma carreira pretendo construir no setor público”, afirma o aluno do segundo período da Faculdade de  Administração Pública Tancredo Neves, da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG).  Ele explica que procura aproveitar todo o tempo disponível, a estrutura da República Reviver como residência e a minibiblioteca para estudar as matérias da faculdade,  assim como fez  no período de preparação  para o concurso.

 

Dedicação e fé

 

Uma história de superação marcada, também, por sofrimentos de todo tipo, inclusive fome, precariedade para se vestir e falta de lugar para dormir. “Às vezes, não dava tempo de chegar ao albergue, que tem hora certa para fechar as portas”. Além disso, não tinha atendimento médico e trabalhar com carteira assinada era difícil pela falta de endereço fixo. Marcelo  viveu nas ruas de Belo Horizonte  de maio de 2012 até  agosto 2014,   quando foi  morar na República Reviver, levada pela assistente social.

Chegou a trabalhar para os Correios e com telemarketing. Com simplicidade conseguia se manter, até que veio o desemprego.  Naquele momento tão difícil, já não podia contar com a família que havia se mudado para o exterior em busca de melhores condições de trabalho. Na época, ele se recusou a acompanhar a mãe, a irmã e o cunhado,  por ter uma situação estável e não haver motivos para deixar o país. Escondeu da mãe a situação de morador de rua e quando os familiares souberam o estava lhe ocorrendo, não tinham muito o que fazer pois, também, enfrentavam problemas por causa da crise econômica na Europa e nos Estados Unidos.

Aos 39 anos, Marcelo acredita que não há tempo a perder e que é preciso ser objetivo. A partir  do novo trabalho e do apoio dos profissionais e amigos da República, ele pretende  conquistar estabilidade profissional, material e  pessoal. 

 

Belo Horizonte, cidade-esperança

 

Jusair compartilha a alegria da aprovação no concurso com uma das Monitoras da República, Zeila Estrela da Luz Elias

Jusair Santos da Silva, 50 anos,  sente-se gratificado com o 20º lugar no  Concurso para Auxiliar de Serviços de Limpeza e Conservação de Ambientes da MGS. A empresa fornece mão de obra  para o estado, e o designou para trabalhar no Hospital João 23. Jusair concluiu o  ensino médio em 1983 e,  de lá pra cá,  foram raras as  vezes em que abriu algum livro ou apostila para estudar, contudo,  a leitura de  jornais e livros era  sua principal atividade de lazer.

Os sofrimentos próprios de quem vive em situação de rua motivaram-no  a entregar-se ao sonho de conquistar uma vaga  no mercado de trabalho. Uma situação completamente oposta  à que ele vive no presente como funcionário de limpeza, na Cozinha do Hospital João 23.”Um ambiente onde se sente seguro”.

Foi um curto período de preparação, mas muito intenso que lhe custou sacrifícios e muita determinação.   Faltavam 15 dias para a prova quando ele se inscreveu. Sem dinheiro para adquirir o material de estudo, estudou em vários livros, na Biblioteca Pública Luiz Bessa, na Praça da Liberdade, seguindo o programa do concurso. O adiamento da prova por uma semana, foi suficiente para que os R$77 do programa Bolsa Família chegassem e ele pudesse comprar a apostila por R$45  Uma quantia significativa, para quem estava desempregado e vivendo do benefício.

Para tomar essa decisão passou um filme na cabeça de  Jusair.  Natural de Paracatu (MG), ele se lembrou do tempo em que ficava com a avó para que a mãe pudesse trabalhar e cuidar dos quatro filhos, após a separação  do marido e  a ida para Brasília em busca de melhores condições de vida.  Na Capital Federal, concluiu o ensino médio e passou em um  concurso da Marinha, contudo, não se adaptou às viagens que duravam até 9 meses. Voltou para casa. Cursou três períodos da Faculdade de Letras, onde conheceu a esposa. Depois de dois anos de casado,  aos 25 anos de idade, Jusair teve um filho e a separação veio  dez anos depois.

A partir de então, Jusair tornou-se andarilho. De cidade em cidade, de fazenda em fazenda, ia conseguindo algum trabalho e se sustentando. Chegou a Belo Horizonte, cidade que o conquistou ainda nos tempo de casado, quando visitava os parentes da esposa.  “Um lugar que me  enchia de esperança,  mas ao contrário do que imaginava, foi onde experimentou a condição de viver nas ruas. Entrei em contato com pessoas boas e ruins e com a realidade de não ter  qualquer proteção. Lembro-me que com muito esforço comprei um rádio e, foi só cochilar que no mesmo dia  ele foi roubado”.

 

A dor da exclusão

 

Mesmo tendo o apoio em albergues para dormir, alimentar-se e fazer a higiene pessoal, a vida era muito difícil. Discriminado por viver nas ruas, sem endereço, tornava-se inviável  manter-se no emprego. “Faltavam dois dias para vencer meu período de experiência em uma empresa, fui demitido porque descobriram que o endereço que dei era do albergue”- recorda-se indignado.

 

Toda essa lembrança alimentava o desejo de conquistar autonomia.  “No albergue consegui um cantinho onde não havia muito barulho e movimento. Lá estudava durante a noite. Mas quando estava na bibllioteca pública, na Praça da Liberdade, era inviável ir até a um restaurante popular e depois retornar para continuar os estudos. Assim, foram muitos dias sem conseguir almoçar”. Quando isso acontecia, segundo Jusair, ele jantava no albergue   ou tomava  sopa no Restaurante Popular, no final da tarde. “Sentia muita fome, mas não podia relaxar,  meu foco era estudar e passar no concurso”.

Foi então que Jusair recebeu a ajuda de uma assistente social da prefeitura que fazia o acompanhamento da população em situação de rua e o levou à  República Professor Fábio Alves dos Santos. “Hoje, me sinto muito bem no meu novo lar e agradeço a Deus por ter um ambiente de trabalho que me acolhe e me incentiva a dar o melhor de mim”.

 

Conheça um pouco sobre a atuação do professor Fábio Alves, que dá nome a uma das repúblicas

 

Professor da Faculdade de Direito da PUC Minas – Instituição da Arquidiocese de Belo Horizonte-,  o advogado Fábio Alves dos Santos coordenou o grupo que trabalhou na implantação e gestão da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC Santa Luzia), constituído pela Arquidiocese de Belo Horizonte – PUC MInas e Irmãos Maristas;  integrou a Comissão Pastoral de Direitos Humanos; o Conselho Estadual de Direitos Humanos e a Assessoria a Movimentos Sociais da Arquidiocese de BH.

 

Atuou como advogado popular, especialmente em questões de ocupação urbana.  Dedicou a vida a promover a justiça social e a solidariedade junto aos mais pobres e aos excluídos. Faleceu em 19 de outubro de 2013 gerando muita comoção nos meios acadêmicos, movimentos sociais e, especialmente, na Igreja.

 

*Mônica Bussinger
Jornal Opinião e Notícias digital
Arquidiocese de BH



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