Os dois grandes acontecimentos fundadores da fé cristã, a Encarnação do Verbo e a Morte e Ressurreição do Filho Amado, dada sua importância para a espiritualidade, isto é, para a vida cristã, são cuidadosamente celebrados em dois ciclos, Natal e Páscoa respectivamente. Com o intuito de viabilizar aos fiéis que a experiência ritual nestas ocasiões do Ano Litúrgico seja uma realidade profundamente espiritual, isto é, alcance a interioridade dos crentes e lhes formate a existência, a Igreja introduz estes dois ciclos com tempos preparatórios: o Advento e a Quaresma.
No tempo do advento, esse procedimento adotado em nosso calendário litúrgico, que visa enriquecer a vida cristã dando oportunidade à comunidade de fé para mergulhar conscientemente nos diversos mistérios do único Mistério de Cristo, se organiza em torno de dois pólos: a Encarnação e a Parusia. Nas duas primeiras semanas, o olhar da assembleia celebrante é direcionado para o Cristo que virá no fim dos tempos. Chama-se “advento escatológico” esta “segunda vinda” do Senhor. Diz-se segunda em relação à primeira, numa menção à encarnação da Palavra de Deus. Deriva daí a denominação “advento natalício” como menção à entrada do Filho amado na história humana.
O Prefácio I do Advento afirma claramente a primeira vinda como acontecimento que assume nossa humanidade como caminho para Deus. Veio na carne para dignificá-la e orientá-la para o Pai. A segunda vinda, por sua vez é compreendida como tempo de plenitude deste caminho que começa na encarnação e deverá alcançar todo homem e mulher. Fim dos tempos, portanto, porque é um evento que encerra a história, uma vez que ela terá chegado à sua finalidade. Dá-se origem a “outro tempo”, apenas possível em Deus, determinado absolutamente por sua graça.
O advento escatológico, a vinda final na glória conforme se pode colher na eucologia litúrgica, é que dá sentido, orientação, à vida cristã no presente. O advento natalício funda o caminho e lhe dá forma. Por isso se diz: Porque veio e virá, o Cristo hoje vem. Aqui é importantíssima a contribuição teológico-espiritual de São Bernardo de Claraval. Ele elaborou a perspectiva da vinda intermediária que liga o primeiro ao segundo advento (chegada, vinda). Embora não apenas ela, é a Liturgia que celebramos em nossas assembleias que nos oferece a mediação necessária para contemplar a terceira vinda, que chamaremos aqui de “advento sacramental”.
É na história presente que o Senhor nos visita, porque entrou nessa mesma história, numa outra época (“Naquele tempo” como anuncia o incipit da proclamação evangélica na Missa) com o intuito de orientar para Deus esse mesmo devir, essa mesma transformação, da vida humana no mundo. Pela Liturgia essa pedagogia divina alcança o hoje de todas as épocas e as encaminha para a finalidade à qual fomos designados desde a origem do mundo: participarmos da intimidade divina como interlocutores. O Cristo vem na carne, isto é, assumindo a condição humana para nos oferecer no seio da Trindade um lugar possível: o Dele. A oração do Dia do primeiro domingo do Advento nos recorda esse desejo de Deus que para nós se torna tarefa: sentarmo-nos todos juntos, como homens e mulheres justos à sua direita. As celebrações litúrgicas tem por objetivo criar as condições para este processo que – na linguagem bíblico-litúrgica do advento – é oportunidade de metanóia (isto é, voltar à condição original de aliança e parceria com Deus). E o tempo litúrgico do advento, vivido nas três dimensões mencionadas – o advento escatológico e o advento natalício acontecendo por meio do advento sacramental – nos insere nesta História da Salvação, história de Deus com a gente, historia do Emmanuel.
Padre Márcio Pimentel é especialista
em Liturgia pela PUC-SP e mestrando
em Teologia na Faculdade Jesuíta de
Teologia e Filosofia (Faje / Capes)
Paróquia São Sebastião e São Vicente