A orientação litúrgica do espaço sagrado da Catedral Cristo Rei recebe comentários positivos do teólogo e artista plástico padre Marco Rupinik. Ele considera um valor o altar não estar situado exatamente sob o centro da cúpula. Tradicionalmente, a cúpula evoca o céu, a divindade, o Espírito. Posta sobre o altar, recorda e qualifica o acontecimento que sobre ele se dá como mistério divino que ali se cumpre.
Mas , padre Rupinik, consultor para a iconografia do Espaço Sagrado da Catedral Cristo Rei, afirma haver outra compreensão igualmente rica: o “umbigo” (omphalos) do espaço, o centro do corpo que está sob a cúpula permanece vazio. Para ele, é importante fazer notar e compreender que a ação do Espírito que a cúpula evoca não se dá exclusivamente sobre o altar. O “omphalos” está vazio, mas aberto e disponível para que seja ocupado pela igreja reunida: o que se dá sobre o altar se cumpre na assembleia. Assim, a igreja-templo se faz útero da igreja-povo.
A eucologia litúrgica recorda, nesta mesma direção, que o mesmo Espírito que gerou o Cristo no seio da Virgem, gera a Igreja quando ela o chama sobre (epiclese) os dons do pão e vinho para serem santificados e consumidos pela mesma igreja reunida em oração. A vida do Filho oferecida livremente pelo bem da humanidade é recordada diante do Pai e, de novo, oferecida como sacrifício de louvor para ser assimilada pelos fiéis. No “hoje” litúrgico, o Filho é gerado e entregue para o bem do mundo, como muito bem nos recorda a Prece Eucarística III: “Por Ele dais ao mundo todo o bem e toda graça.” O Filho eterno do Pai, gerado eternamente no seio da Trindade e gerado temporal e historicamente no seio da Virgem Maria agora é concebido no seio da Igreja.
O povo é o Templo, morada do Espírito de Cristo. A Casa que os acolhe se torna sacra por sua presença sacramental no Corpo eclesial e, a partir daí, se torna ícone daquilo que o povo cristão, cada fiel deve ser |
O espaço sagrado faz-se matriz do Corpo deste Filho; ambiente vital no qual é concebido e apresentado ao mundo para transformá-lo. Nele, a história humana quantificada em passado, presente e futuro é qualificada pelo Dia sem ocaso do Verbo Encarnado, “Sol do Oriente que nos veio visitar por sua misericórdia e ilumina nossas trevas (cf. Lc 1,78-79). Nesse espaço, a eternidade desposa o tempo e gera Cristo na vida dos fiéis. Nesse espaço não há relógio, pois o tempo é Cristo. Não é o chronos que determina as estações, mas o Kairós, por seu Evangelho que dinamiza nossa existência, estipulando seu ritmo, suas tonalidades e sonoridade.
Por todas estas razões, o espaço sagrado cristão é chamado de “Casa da Igreja”. É nela que o Corpo eclesial de Cristo é concebido, amamentado com o leite espiritual da Palavra Divina e nutrida pelo Banquete Nupcial do Cordeiro. Aí será costumeiramente impregnada com o perfume de Cristo, sua entrega livre e permanente pelo bem dos povos. Será refúgio quando tropeçar no caminho e necessitar de abrigo para restabelecer as forças com o óleo messiânico que lhe cura as feridas. Enfim, esse espaço é verdadeira “Casa do Pai”, terreno apto ao amadurecimento que se dá, sobretudo na convivência e intimidade da mesa, ao redor da qual podemos deitar sobre o peito do Anfitrião. Para o calor desta Casa, o Senhor nos convoca, permanentemente, qual Pai Misericordioso que sonha com o regresso do filho que saiu pelo mundo para gastar sua herança.
Esta Casa da Igreja, que acolhe os filhos e filhas que estão dispersos pelo mundo é, portanto, um espaço matricial, eclesiogênico. Em contato com a fonte da vida e de toda santidade a Igreja nasce, sendo permanentemente iniciada no Mistério Pascal que lhe concerne ânimo e identidade. É nesse ponto que se pode compreender um dos aspectos fundamentais da sacralidade do espaço cristão destinado ao culto. Diferentemente de outros templos, o espaço sagrado dos cristãos não é “sacro” por si e em si mesmo, à medida que se opõe a outros que não são sacros (=profanos). Na verdade, como bem salienta G. Bonaccorso, o sagrado não existe como uma realidade à parte do mundo profano, mas como uma realidade que desponta no mundo profano, estabelecendo com ele uma relação de polaridade1.
Uma construção específica à qual se denomine “espaço sagrado” não é condição para que se dê a experiência da comunhão com Deus, sua revelação, seus mistérios porque “Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar graças sempre e em todo lugar.” Sacro e profano, portanto, ganham outro contorno. Trata-se, exatamente, da lógica oposta: o lugar se faz sacro pelo evento da salvação que aí se realiza quando o povo se reúne como assembleia convocada (= Igreja). O povo é o Templo, morada do Espírito de Cristo. A Casa que os acolhe se torna sacra por sua presença sacramental no Corpo eclesial e, a partir daí, se torna ícone daquilo que o povo cristão, cada fiel deve ser. O espaço é sagrado porque nEle a Igreja é concebida e nasce para espalhar a Boa Nova do Reino. O espaço seria profano, somente à medida em que não fosse capaz de acolher e desenvolver esta experiência.
1 BONACCORSO, G. Celebrar ela salvezza. Cit. In. COMIATI, Gaetano. LETO, Francesca. Normatività e Creatività nel Rito. Uma lettura antropológica per uma ricomprensione pastorale.
Pe. Márcio Pimentel
Liturgista