“É de fundamental importância a descoberta do que é ser seguidor de Jesus: alguém que se faz presença junto com os excluídos, os irmãos tidos como ‘descartáveis’, numa sociedade tão desigual, e trabalhar arduamente para que ‘tenham vida e vida em abundância’. Neste sentido, todas as Pastorais, a Catequese e outros grupos da Igreja podem compreender que a atuação sociopolítica caminha junto com a vivência da fé”. Estas são palavras da assistente episcopal para o Setor Político do Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental (Veaspam) da Arquidiocese de Belo Horizonte, Maria Zélia Castilho de Souza Rogedo, que, nesta entrevista, sublinha: tudo está interligado – inclusive a fé e a política, que deve ser “uma das mais altas formas de caridade”, conforme diz o Papa Francisco.
- Como a Arquidiocese de Belo Horizonte atua para formar cidadãos mais conscientes e interessados pelas políticas públicas nas cidades?
No âmbito do Setor Político do Veaspam, são várias linhas de ação: a primeira, muito importante, que caminha no sentido de formação e informação se dá por meio do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp), que produz estudos e análises de conjuntura, contribuindo para a atuação de diferentes grupos na Arquidiocese de Belo Horizonte. Outra linha de ação se dá por meio do esforço em ampliar a rede dos grupos de Fé e Política nas comunidades.
Há, também, ações que significam uma presença forte tanto na Igreja quanto na sociedade, a partir de diretrizes da Arquidiocese de BH, relativas à participação na 6ª Semana Social Brasileira, no Grito dos Excluídos e na Campanha da Fraternidade. Essas ações são realizadas de forma ecumênica e inter-religiosa.
A ação política da Arquidiocese de BH também se faz presente na sociedade por meio de dois importantes núcleos: a Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz e a Academia de Juristas Católicos e Humanistas. Junto com o Comitê de Bioética, estes núcleos desenvolvem um trabalho incansável na promoção do debate qualificado e de ação em defesa dos Direitos Humanos.
Recentemente, foi criado um Grupo de trabalho sobre Segurança Alimentar, diante da situação do aumento da fome no território da Arquidiocese de BH. Esse grupo está tratando sobre a existência ou não de políticas públicas que abordem a segurança alimentar e de temas articulados ao assunto como moradia, trabalho, educação, saúde e etc. Diante do drama da fome, buscar respostas sobre como articular o trabalho da comunidade eclesial – pastorais, movimentos e lideranças – junto à população e prefeituras.
2. De que modo estimular a participação cidadã à luz da fé nas comunidades?
Importante, antes de tudo, o conhecimento da Palavra de Deus, em especial do Evangelho. Ter clareza para entender que, como cristãos, somos seguidores de Jesus Cristo. Os Evangelhos nos mostram um Jesus engajado na história humana. Ele sofreu na carne as incertezas da vida, as desigualdades, a opressão e jamais se omitiu diante da realidade. Com palavras e gestos muito fortes, Ele disse que veio para construir o Reinado de Deus e sua justiça e nos convida a fazer o mesmo.
Fazer o mesmo, ou seja, seguir Jesus, implica estar de olhos abertos para ver a realidade; avaliar o que está ou não de acordo com a vontade de Deus – Ele quer que todos tenham vida em abundância – , ou seja, devemos julgar e, a partir dessa reflexão, realizar ações que contribuam para a construção do Reino de Deus.
É de especial importância a descoberta do que é ser seguidor de Jesus: alguém que se faz presença junto aos excluídos, aos irmãos tidos como “descartáveis” em uma sociedade tão desigual e trabalhar arduamente para que “tenham vida e vida em abundância”. Neste sentido, todas as Pastorais, a Catequese e outros grupos da Igreja podem compreender que a atuação sociopolítica caminha junto com a vivência da fé.
Impossível ver injustiças, desigualdades, o sofrimento de milhões de irmãs e irmãos e cruzar os braços. Não se vive o Evangelho de forma desencarnada! É necessário fazermos sempre o discernimento. Por quê? Respondo de forma bem simples: temos visto hoje, no whatsaap, youtube e outras redes sociais várias propostas de espiritualidades que convidam a uma religião intimista, individualista, que reforça um Deus à disposição dos nossos desejos – que fala em armas, cercos, guerras, espadas. Ora, a conversa de Jesus vai em outro sentido! Importante lembrar a Palavra: “Tive fome e você me deu de comer, tive sede e você me deu de beber, estive preso e você me visitou.”. E mais: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça” (Mt 5,65).
A oração, a contemplação, o ver o Cristo crucificado no irmão injustiçado, no outro paralisado pela tristeza e pela dor, devem nos convocar a ser presença acolhedora e transformadora naquela situação de desamparo. Isso inclui muita empatia e abertura de coração – sempre presentes nos atos de Jesus – e afeto no fazer política. Política, como nos disse o Papa Francisco – recordando os dizeres do Papa Pio XI e depois Paulo VI – é uma das mais altas formas de caridade.
3)Muitos estão cansados da política partidária e, consequentemente, sentem-se desanimados quanto ao futuro. Que mensagem a Igreja leva a essas pessoas?
A primeira coisa a ser feita é ouvir as pessoas. Como veem o mundo da política? O que consideram como sendo política? Esta diz respeito apenas ao voto ou à escolha de representantes? Como entendem esta escolha? Ou compreendem a política no sentido mais amplo – política permeando as relações sociais nos locais de trabalho, na Igreja, nas escolas? Política enquanto busca do bem comum? Ou os exemplos de mau comportamento político desgastam a percepção do que deveria ser a política?
Uma pessoa diz: ”Espaço da Igreja não é lugar de conversar sobre política”. Será que ela se dá conta de que está tomando uma posição e fazendo política? Importante trazer à tona o fato de que negar a política, se dizer “apolítico” já é um comportamento político! E como tal, tem consequências: a propagação da desinformação, a recusa à participação, a negação do direito à cidadania. A negação da dimensão política pode ser, também, “traduzida” assim: trata-se de uma forma de esvaziamento da proposta de Jesus que é a de construir o Reinado de Deus e sua justiça!
É necessário, especialmente no momento atual, que a dimensão política seja recuperada e se torne tema das nossas conversas, das nossas reflexões, em nossos círculos bíblicos, em nossos grupos de reflexão e oração e nas nossas reuniões de pastorais. É sempre bom lembrar que tudo está interligado: vida, fé e política – como “uma das mais altas formas de caridade”.
Importante lembrar: você já pensou o que significa, na Catequese, uma criança entender a presença amorosa de Deus nas suas criaturas e ali ser despertado para o cuidado com cada uma delas? E isso, tanto individualmente quanto no entendimento de que “tudo está interligado”, ou seja, consciência do cuidado necessário e, também, das forças que promovem a destruição da vida! Ou um adolescente, na Perseverança, descobrir as diferenças entre ele e outros com relação ao acesso aos Direitos Humanos, ter informação sobre causas dessas diferenças, tipos de políticas públicas que poderiam ser realizadas, que podem evitar violência, morte, abandono e tristeza? E compreender tudo isso a partir da proposta de Jesus, de vida em abundância? As consequências na vida cotidiana são muitas: até evitar que cristãos afirmem que “bandido bom é bandido morto”, não é? Ou, então, fazer a defesa da diminuição da maioridade penal. Desse modo, informação e debates sobre este assunto podem evitar decisões que penalizam crianças e adolescentes e negam boas políticas públicas! Tendo consciência de sua responsabilidade, a Igreja trabalha em prol da construção de uma sociedade mais consciente. Como exemplo, podemos citar o Pacto pela Vida e pelo Brasil, no qual a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em conjunto com outras entidades buscaram uma ação propositiva para a “grave crise” enfrentada pelo Brasil – sanitária, econômica, social e política. Importante, portanto, como cristãos, assumirmos nossa presença transformadora na sociedade por meio da política.