“A Arquidiocese de Belo Horizonte pode contribuir na sensibilização das questões ambientais que afetam a vida cotidiana do cidadão, mobilizando para que ele seja o agente de cobrança dos seus direitos e mudanças políticas, apontando caminhos para a atuação na sociedade, buscando o empoderamento da coletividade”. A afirmação é da Coordenadora do Setor Ambiental do Vicariato Episcopal para Ação Social Política e Ambiental (Veaspam), professora Janise Bruno Dias.
A Professora destaca ainda a atuação da Arquidiocese de Belo Horizonte na defesa e proteção ao meio ambiente e como o cristão pode contribuir para fomentar políticas públicas em prol da preservação ambiental.
A Professora é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – 1987; mestre em Geografia e Análise Ambiental UFMG (2001) e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná (2006). Além disso, é professora e pesquisadora da UFMG desde 2009. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Biogeografia, atuando principalmente nos seguintes temas: estudo da paisagem, políticas públicas socioambientais, áreas protegidas e conservação, meio ambiente e desenvolvimento rural.
Confira na integra a entrevista:
1) A Região Metropolitana de Belo Horizonte possui em sua área comunidades que vivenciam tensões e conflitos: de um lado, a intensificação e expansão da mineração; de outro, a sociedade civil e defensores do meio ambiente que lutam pela preservação ambiental. Como a Arquidiocese de Belo Horizonte pode atuar para mediar estes conflitos?
Os conflitos gerados pela atividade minerária são consequências de um dos grandes problemas ambientais da área de atuação da Arquidiocese de Belo Horizonte, pois estamos inseridos numa região muito rica em minérios, não só de ferro, mas outros minérios importantes como base de produção da indústria: siderurgia, infraestrutura, construção civil etc.
Existe uma cultura que vem do período colonial de que essa é a vocação não só da Região Metropolitana de Belo Horizonte, mas de todo o Estado – por isso o nome “Minas Gerais”.
No entanto, apesar de vivenciar diversas consequências da atividade minerária – déficit e poluição hídrica, expropriação de terras, desmatamento, destruição de ecossistemas singulares, passivo social (aumento da violência, tráfico de drogas e prostituição) e ainda outros passivos ambientais como queda na qualidade ambiental, de saúde e de vida -, as populações dessas áreas ainda se iludem pelo apelo à geração de empregos. Na verdade os empregos gerados são poucos e muito especializados, o que se cria é uma cadeia de subempregos e trabalhos precarizados, sem nenhum cuidado ou responsabilidade com a segurança e saúde do trabalhador.
A Arquidiocese de BH pode contribuir na sensibilização das questões ambientais que afetam a vida cotidiana do cidadão, para que ele seja o agente de cobrança dos seus direitos e mudanças políticas, apontando caminhos para a atuação na sociedade, buscando o empoderamento da coletividade.
Os agentes de formação, nas comunidades, podem abrir espaço para que ocorram discussões de mobilização e encaminhamentos sobre os problemas locais. Também podem estimular a formação crítica das crianças e jovens para atuação como cidadãos atentos às questões locais comunitárias.
Esse acolhimento deve ser a todos, na diversidade social, cultural e religiosa. É assim que o Papa Francisco nos convoca nas duas encíclicas para construção de uma agenda comum: a Laudato Si e Fratelli Tutti estimulam essas reflexões e formações. É preciso construir uma base de reflexão, fundamentada no Evangelho de Cristo, mas que forme cidadãos críticos voltados para o cuidado com o outro, na nossa Casa Comum.
Por outro lado, as diversas instâncias e setores da Arquidiocese de BH devem participar também dos fóruns de decisão sobre políticas públicas para o meio ambiente (ex: Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam); Conselhos Municipais de Meio Ambiente e outros conselhos correlatos – saúde, segurança alimentar, habitação, saneamento, comitês de bacias) e também se posicionar a favor do cumprimento da legislação e políticas ambientais, por todos os setores, em especial aqueles que afetam diretamente a qualidade de vida das populações, como a atividade minerária.
Além disso, a Arquidiocese deve ter um posicionamento contrário a qualquer tipo de concessão de quaisquer instâncias do Estado. A política é elaborada para todos. Se a sociedade quiser mudar, que se convoque o “povo” para discutir.
A Arquidiocese de BH precisa também defender sempre a participação popular, não admitindo a exclusão da população interessada – manobra utilizada para manter interesses unilaterais.
A nossa legislação e políticas são inclusivas e contemplam a participação social. Precisamos defendê-la e não aceitar “chancelas” de órgãos das instituições que se dizem representantes do povo, mas não são reconhecidos. Como foi o caso do “acordão” do governo do estado com a Vale.
2) É possível coexistir a atividade minerária e a preservação ambiental?
Primeiro é preciso esclarecer o conceito de “preservação”. Preservação quer dizer manter como está. Deixar que, no caso do meio ambiente, ele se restaure por si próprio, com nenhuma ou com mínima interferência antrópica. Se adotarmos esse conceito a resposta a sua pergunta é “não”. É inconciliável. A atividade minerária do porte e no modelo que temos na RMBH, onde se insere o território da Arquidiocese de BH, quebra totalmente a resiliência dos sistemas ambientais em que atua. Podemos ousar dizer que “quebra a resiliência dos ‘geossistemas’- conceito que incorpora a interação das dimensões geológica, hidrogeológica, hídrica e ecossistêmica, para o funcionamento dos sistemas ambientais. Essa intervenção não permite mais nenhuma reconstituição dos ecossistemas locais atingidos ou mesmo dos biomas.
Por outro lado, um conceito que se confunde com o anterior é o de “conservação”. Na conservação pode-se ter intervenção, o ideal é que seja com base no estudo da área – exemplo: os Estudos de Impacto Ambiental (EIA’s) e os Relatórios de Impacto Ambiental (Rima’s) previstos por lei para qualquer empreendimento de médio e grande porte – e um planejamento da ação. Conservar significa explorar sem “exaurir’ os sistemas ambientais, para que tenham condições de se restabelecer. Nesse caso, pode haver uma contribuição humana. Os planos de restauração ambiental tem essa função, e temos na política nacional de meio ambiente, algumas categorias de Unidade de Conservação previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC – Lei 9985/2000), política que rege a gestão das áreas protegidas, que preveem o uso sustentável, que seria uma prática de conservação dos recursos silvestres locais, sem exauri-los. No caso da atividade minerária que temos, conservar não é possível, pois todos os sistemas ambientais atingidos perdem suas características originais e não podem ser restaurados.
3) Como a Arquidiocese de Belo Horizonte atua para implantação de projetos e programas à luz da Ecologia Integral, respeitando a Casa Comum.
O setor ambiental do Veaspam foi criado no final do ano de 2020 e há muito a ser feito – “A messe é grande e poucos são os operários”. Estamos fazendo as reflexões sobre os temas de conflito na área de abrangência da Arquidiocese de Belo Horizonte nos três comitês criados: Comitê Arquidiocesano para as Águas (COÁGUAS), Comitê Arquidiocesano sobre Mineração (CAM) e o Comitê Arquidiocesano sobre Mineração na Serra da Piedade (CAMISP).
Estamos também mapeando a situação geral socioambientais na área, com o apoio da Agência de Desenvolvimento Regional e Integrado (ADERI) da Arquidiocese de Belo Horizonte. A partir do levantamento desses dados, vamos planejar as ações mais específicas no território que compreende as regiões episcopais.
Um dos nossos objetivos é estimular as reflexões norteadas pela Laudato Si e Fratelli Tutti dentro dos fundamentos da Ecologia Integral e o cuidado com nossa Casa Comum. Para isso pretendemos oferecer às comunidades arquidiocesanas conteúdos para reflexões e a realização de eventos locais que fomentem ações de solidariedade, inclusão, formação pela educação popular. É também fundamental a troca de experiências e saberes, de modo a estimular as iniciativas que reflitam a Economia de Francisco e Clara e contribuam para o cuidado com nossa Casa Comum.
Entendemos que a dimensão ambiental se revela transversalmente às problemáticas sociais e políticas na sociedade. Por isso, para fomentar as ações da Arquidiocese de BH realizamos o 1º Fórum Arquidiocesano para Ecologia Integral, no dia 8 de maio, que teve o objetivo de integrar as ações e as formas de atuação dos três setores.
O segundo evento será a 2ª Romaria Arquidiocesana pela Ecologia Integral ao Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade, em junho de 2021. Será um evento “caminhante”, em movimento, construído coletivamente, com momentos de manifestações simbólicas, celebrações, mas também com momentos de reflexões, denúncias e formação sobre as questões ambientais. Será uma oportunidade de conhecer as ações que desenvolvemos, fortalecê-las e implementar novas ações que reflitam a questão da espiritualidade, a partir da “Laudato si”, com fundamentação ecoteológica, trabalhando o aspecto sociotransformador.
4) Como o cristão pode contribuir para fomentar políticas públicas em prol da preservação ambiental?
O cristão que tem compromisso com o Evangelho de Jesus Cristo, refletido na Laudato Si, Fratelli Tutti e mesmo na exortação “Querida Amazônia”, e quer vivê-lo no seu cotidiano, como todo cidadão que vive em sociedade, precisa ser o sujeito político e social da mudança. Ele deve participar da sociedade, seja a partir de sua comunidade, das associações de bairros, dos coletivos, dos conselhos, seja das esferas de gestão do Estado ou a partir das organizações da sociedade civil – de instituições sociais, como a Igreja por exemplo. A construção do bem viver deve ser coletiva, a partir do bem comum.
Além disso, precisamos fazer uma reflexão sobre o modelo de consumo, o que tem nos impulsionado à degradação do meio ambiente, ao individualismo, ao egoísmo, à desigualdade social, à desigualdade na qualidade de vida. A pressão sobre os recursos está conduzindo o planeta à emergência climática que é uma das responsáveis pelo aparecimento, cada vez mais frequente, de novas doenças, epidemias e pandemias.
Se não lutarmos juntos pela distribuição de renda, uma vida de menos ostentação, com acesso a políticas públicas de educação, saúde, habitação e trabalho equânimes para todos, estaremos “cavando” a extinção de nossa espécie biológica para um futuro muito próximo. No entanto, nossa Mãe Terra pode sobreviver ao nosso desaparecimento, resiliente, mesmo sem a nossa presença. Mas não é isso que “Nosso Pai” quer para nós, não é?