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Documento do Conic faz memória aos 50 anos do golpe militar

 

A declaração pública “Compromisso coletivo pela democracia – Brasil: ditadura nunca mais”, proposta pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), do qual a Igreja Católica é membro, e em parceria com outras organizações, faz memória aos 50 anos do golpe militar e destaca a atuação das igrejas cristãs na luta pela plena democracia e garantia dos direitos humanos.

O documento, apresentado na sede das Pontifícias Obras Missionárias (POM), com apoio da Confederência nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), destaca que grupos ligados às Igrejas, em conjunto com muitos movimentos da sociedade, foram imprescindíveis para a superação deste período. Lembra, ainda, a mobilização do movimento ecumênico com o apoio do Conselho Mundial de Igrejas na denúncia e registro de crimes de tortura que resultou no “Projeto Brasil: Nunca Mais”.  

 

Dom  Leonardo  Steiner  (2º à esquerda)  com  os membros   do   Conic,  na  apresentação  do documento

Para o secretário geral da CNBB, dom Leonardo Ulrich Steiner, esta declaração pública tem um papel importante no contexto atual do país. “O texto recorda o tempo e o processo da ditadura, mas também propõe discussões e reflexões para o futuro. Ainda precisamos dar muitos passos no sentido da democracia, especialmente no que se refere à participação popular nas decisões”, ressaltou. O presidente do Conic, dom Manoel João Francisco, observou que o documento recorda uma memória triste, mas que faz um chamado à ação.

Também participaram do evento a secretária geral do Conic, pastora Romi Becker; assessora da Política de Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Marga Janete Ströher, o presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, pastor Nestor Friedrich, o senador Randolfe Rodrigues, entre outras autoridades.

A declaração é assinada pelo Conic, Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese),  Conselho Latino-americano de Igrejas (Clai) e  Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

 

DECLARAÇÃO PÚBLICA
Compromisso coletivo pela democracia
Brasil: ditadura nunca mais

 
“Ah! Se conhecesses também tu, ainda hoje, o que serve para a paz”(Lc 19.42)
 
Há 50 anos, o presidente João Goulart foi deposto e instaurou-se uma ditadura no Brasil que durou 21 anos. Ao longo deste período, movimentos estudantis, de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, intelectuais e grupos religiosos lutaram arduamente pela democracia. Muitos foram assassinados, torturados, exilados e “desaparecidos”. São páginas ainda pouco esclarecidas de nossa história recente. O aprofundamento do direito à memória e à verdade é condição para a edificação da sociedade, pois garante que pessoas que sofreram violência por parte de agentes de Estado sejam reconhecidas como vítimas e suas histórias sejam resgatadas.
 
Grupos ligados às Igrejas, em conjunto com muitos movimentos da sociedade,foram imprescindíveis para a superação deste período. Ressalta-se a mobilização para a denúncia e registro dos crimes de tortura que resultou no Projeto Brasil: Nunca Mais, protagonizado pelo movimento ecumênico com o apoio do Conselho Mundial de Igrejas. O acervo foi recentemente repatriado e contribuirá para elucidar fatos e histórias esquecidas.
 
Apesar de todo o aparato político, econômico e religioso da ditadura que gerou repressões, censuras, prisões, assassinatos, exílios políticos e sofrimentos foram dados passos significativos em direção à abertura democrática. Conquistamos parcialmente a Anistia, inundamos as praças nas Diretas Já. O processo constituinte foi iniciado, possibilitando que questões antigas fossem colocadas em debate como a Reforma Agrária, os direitos sociais, os direitos humanos, a soberania nacional com a necessidade de uma auditoria da dívida externa e a ideia do controle social do Estado.
 
Os fatos por si confirmam que nossa democracia é limitada e inconclusa. A Reforma Agrária não foi realizada de forma plena e efetiva, o fosso entre ricos e pobres é uma realidade em ascensão, assistimos a vertiginoso enfraquecimento e criminalização dos movimentos sociais. Apesar de políticas públicas importantes como a garantia de saúde e educação para todos, das políticas de cotas e das compensatórias, entre outras, todavia percebe-se um hiato grande quando estão colocadas na pauta questões para a melhoria do bem-comum e as de interesse de grandes grupos econômicos. Os interesses populares são relativizados quando os interesses de grandes grupos econômicos entram em cena.
 
As ameaças à democracia são constantes. Na América Latina, lembramos a deposição de presidentes democraticamente eleitos, como no Paraguai e em Honduras. Recentemente, novas tentativas de deposição de líderes eleitos pelo povo têm acontecido em países vizinhos.

 

Nossas Igrejas e organismos ecumênicos têm um compromisso histórico com a democracia. Por isso, reafirmamos o nosso compromisso com os movimentos sociais que permanecem firmes no ideal de uma sociedade com justiça que respeite e garanta os direitos humanos, culturais, sociais, econômicos e ambientais. A luta por estes direitos demonstra a nossa opção preferencial pelas pessoas mais vulneráveis de nossa sociedade. Por isso, nos sentimos desafiados a nos pronunciar sobre o atual momento pelo qual passa nosso país.
 
Os limites e esgotamento do atual modelo de democracia representativa se revelam na privatização das decisões do Congresso com a crescente subordinação do interesse público aos interesses privados das empresas e organizações do poder econômico. O afastamento dos representantes eleitos das demandas da sociedade é resultado da natureza do sistema político, cujo processo eleitoral depende dos recursos financeiros privados e do lobby do poder econômico.
 
Juntam-se a isso as iniciativas que pretendem formalizar a criminalização dos movimentos sociais. Preocupa-nos o fato de que representantes do poder legislativo tentem introduzir em nossa legislação, através do PLS 499/2012, o chamado “AI 5 da Democracia”, a concepção de “crimes de terrorismo”. Sabe-se que a intenção é coibir a livre manifestação popular.
 
É inquietante a falta de conhecimento dos processos históricos da América Latina. Grupos se organizam através das redes sociais para reivindicar o retorno a regimes autoritários e de exceção.  Isso revela a permanência de uma cultura punitiva e de violência como forma de resolução dos problemas sociais. Esta cultura, em parte, é herança dos anos de ditadura.
 
Outros obstáculos impedem o aprofundamento da democracia, entre eles, o não cumprimento de Convenções e Acordos internacionais firmados pelo país, como por exemplo, a Convenção 169 da OIT. Grandes empreendimentos como os da Copa do Mundo não obedecem aos critérios de diálogo e respeito às populações afetadas. Ao contrário, privilegiam o lucro de grandes empresas, atropelando o direito à existência em especial das populações tradicionais.
 
Diante deste contexto, como Igrejas e organizações que acreditam que a democracia significa uma sociedade que garanta direitos e oportunidade a todas as pessoas afirmamos nosso compromisso com:
 
Uma Reforma do sistema político, com vistas a garantir que os processos decisórios não se deem apenas pela via eleitoral, pois o exercício do poder deve estar alicerçado na soberania popular como prática cotidiana de tomada de decisões. Não aceitamos que o poder econômico defina os resultados das eleições. Repudiamos a sub-representação de vários grupos nos espaços de poder. Motivo pelo qual, nos somamos às estratégias construídas pela sociedade civil organizada, a exemplo da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas e do Plebiscito Popular pela convocação de uma Constituinte exclusiva e soberana do sistema político.
 
Sublinhamos a necessária separação entre Estado e Religião prevista na Constituição Brasileira, sem desconhecer como é importante a cooperação entre Estado e Religião com vistas ao bem comum. Repudiamos quaisquer instrumentalizações entre religião e política para fundamentar a discriminação e incitar a violência.
 
Neste tempo em que cristãos e cristãs celebram a quaresma, período de profunda reflexão sobre as consequências da ruptura com a aliança entre Deus e sua criação, estejamos atentos e vigilantes.
 
Reafirmamos o nosso compromisso com o aprofundamento da democracia plena. O processo eleitoral deste ano deve ser permeado por estas questões centrais que garantam a qualidade da democracia em nosso país.

 

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC)
Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)
Conselho Latino Americano de Igrejas (CLAI)
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

 



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