Há palavras irrecuperáveis, ou quase. Passividade é uma delas, indica, logo de saída, um tom, um modo de ser que ninguém vê com bons olhos. Pelo contrário, recomenda-se que sejamos ativos e, mais, pró-ativos. Proatividade, se já não é, não demorará a ser recomendada como um programa gerador de sucesso. Contra a inércia, a indecisão, a hesitação, há sempre os que bradam em favor da proatividade. Isso, está bem, faz algum sentido. Mas não tanto como vem sendo costume pensar.
Há qualquer coisa na vida que passa ao largo da atividade. Em parte, é assim mesmo, construímos nossa biografia. Optamos ou recusamos, optamos e recusamos e, pouco a pouco, vamos dando forma a nós mesmo. Mas sob essa superfície não há um rumor de fundo, vindo de camadas muito remotas de nossa existência, que nos lembra que não comandamos a existência, que não somos senhores de nós mesmos, que somos peregrinos sempre surpreendidos entre uma origem e um fim que permanecem ocultos? Não há em cada um de nós, espaços aos quais pertencemos e que, mesmo presentes a todo o tempo, permanecem inomináveis? Apesar do esforço continuado de estabelecer margens e limites, um esforço quase sempre marcado pelo receio, não há em nós, e não haverá sempre, territórios tão íntimos quanto desconhecidos? E diante da existência disso que não podendo ser alcançado nos alcança, não nos cabe uma certa reverência, uma passividade atenta, uma escuta refinada, um padecimento consentido? Talvez passividade, que sempre entendemos como o contrário, o contrário vazio, da ação, possa, quem sabe, em muitas circunstâncias ser vista como uma forma ainda mais refinada de ação, a difícil arte de se haver com o que, sendo nós mesmos, nos excede. Se não me engano, é de George Steiner a lembrança de que nos momentos decisivos somos estrangeiros a nós mesmos. Pois é.
Para pensar um pouco mais: “Nunca um homem está mais ativo que quando nada faz, nunca está menos só do que quando a sós consigo mesmo” (Catão, segundo Cícero, citado por Hannah Arendt)
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
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